"DECIFRANDO A HISTÓRIA A PARTIR DE
MANUSCRITOS”: OFICINAS DE HISTÓRIA DO PIAUÍ NA EDUCAÇÃO BÁSICA – RELATO DE
EXPERIÊNCIA
Antônia Natália de Sousa Arrais
O presente trabalho realiza uma análise e
discussão acerca da experiência obtida no Projeto de Extensão - Decifrando a
história a partir de manuscritos: leitura, interpretação e escrita da história
do Piauí colonial, que capacita futuros professores historiadores na
compreensão e transcrição de documentos paleográficos voltados a História do
Piauí. No percurso do projeto fizemos a análise de cartas e ofícios dorquivo do Conselho Ultramarino referentes a Capitania
do Piauí e realizamos oficinas nas escolas com documentos que tratam sobre o
contato dos portugueses com os grupos étnicos nativos moradores da Capitania do
Piauí. O objetivo deste trabalho é relatar a experiência obtida na realização
de oficinas na educação básica, evidenciando a contribuição obtida tanto para
acadêmicos como para os alunos do ensino básico, visto que foi proporcionado
através de oficinas didáticas a utilização de fontes históricas e problematização
das mesmas neste ambiente, favorecendo assim de forma inovadora o processo de
aprendizagem desses alunos no que diz respeito a História do Piauí. Como aporte
teórico e metodológico utilizamos os autores Circe Maria Bittencourt (2004);
Selva Guimarães (2012); Jaime Pinsky e Carla Bassanezi Pinsky (2016); Ana
Stella Negreiros (2007) Maria Regina Celestino de Almeida (2012); Rafael
Chambouleyron e Vanice Siqueira de Melo (2013); Vicente Eudes Lemos Alves
(2003). Estes contribuíram para a construção da discussão aqui empreendida no
que se refere a pesquisa historiográfica e o ensino de história. Os resultados
obtidos foram satisfatórios, evidenciando a necessidade de um ensino de
história crítico na educação básica. Durante a execução do projeto, os alunos
mostraram-se animados e curiosos ao analisar os documentos, dessa forma,
através da oficina houve o alargamento de horizontes no conhecimento acerca da
História do Piauí.
Introdução
O presente trabalho tem como objetivo fazer uma
análise e discussão acerca da experiência obtida na realização de oficinas
educativas proposta pelo Projeto de extensão: Decifrando a história a partir de
manuscritos: leitura, interpretação e escrita da história do Piauí colonial.
Sabe que a utilização de fontes históricas em
sala de aula por professores da educação básica ainda é bastante restrita,
especialmente na problematização dos “conteúdos”. Cientes deste cenário, o
projeto ora mencionado procurou fomentar o uso de documentos históricos em sala
de aula a partir da oferta de oficinas sobre a História do Piauí Colonial. De
modo que tornem a documentação acessível e leve-as para alunos da educação
básica, contribuindo progressivamente no processo de aprendizagem na disciplina
de história, possibilitando um contato do documento histórico com o alunado. A
temática escolhida para o desenvolvimento das atividades foi a História
Indígena.
Após a análise de alguns materiais didáticos do
ensino fundamental e médio, constatou-se uma perceptível “marginalização” das
populações étnicas nativas, posto que estas na maioria dos casos estão inclusas
a história de forma pejorativa, partindo de um viés eurocêntrico de que esses
grupos são apenas a parte vítima do processo colonizador, apagando uma memória
e uma parte importante da História do Brasil.
Para além disso, o trabalho aqui empreendido
buscou através de uma documentação pouco utilizada e até desconhecida no âmbito
da educação básica, questionar estes alunos sobre o processo de colonização e
dominação da Capitania do Piauí a partir dos conflitos existentes entre o homem
branco e o nativo, tendo como objetivo principal neste trabalho elucidar as
possibilidades de discussão a respeito destas temáticas no ensino de história e
geografia na educação básica, haja vista a discussão sobre o espaço
territorial.
A partir da análise da fonte histórica
trabalhada na aplicação da oficina, buscamos problematizá-la através de um
estudo bibliográfico sobre os nativos dos sertões, evidenciando uma
interpretação que dê visibilidade a resistência indígena na educação básica, em
virtude da carência de discussões, nesta etapa educacional, sobre os nativos
enquanto protagonistas da história nos livros didáticos.
A execução do Projeto através da aplicação de
oficinas com os documentos que tratam sobre os nativos na Capitania do Piauí
torna-o inovador e de extrema necessidade para a construção do saber histórico
voltado ao entendimento do Piauí enquanto colônia, posto que, a história nativa
está concentrada apenas em privilegiar o estudo voltado aos grupos que estavam
no litoral brasileiro, em detrimento dos espaços do sertão.
Como aporte teórico para análise e discussão da
historiografia do Piauí Colonial, foram utilizados textos de autores
pesquisadores na temática Ana Stella Negreiros (2007); Maria Regina Celestino
de Almeida (2012); Rafael Chambouleyron e Vanice Siqueira de Melo (2013);
Vicente Eudes Lemos Alves (2003), assim como, os autores Circe Maria
Bittencourt (2004); Selva Guimarães (2012); Jaime Pinsky e Carla Bassanezi
Pinsky (2016), que trabalham problematizando os desafios que os professores
percorrem no ensino de história.
Metodologia
No percurso do projeto realizamos a transcrição
e análise de cartas e ofícios que fazem parte da coletânea do Arquivo Histórico
Ultramarino, no que diz respeito ao Piauí Colonial, concomitante a leituras
historiográficas. No processo de
efetivação da oficina nas escolas foram selecionados documentos específicos que
tratam sobre o contato dos portugueses com os grupos étnicos nativos, moradores
da Capitania do Piauí. Dentre os documentos trabalhados, um requerimento do
mestre-de-campo Bernardo de Carvalho Aguiar, ao rei, relatando uma guerra
contra o “gentio” em Parnágua.
Dessa forma, tivemos como proposta temática para
a aplicação da oficina a representação que os conquistadores almejavam
construir sobre os povos nativos. Durante as oficinas problematizamos essa
representação nas cartas e os conflitos de terras existentes naquele período,
descritos pelo mestre de campo Bernardo de Carvalho Aguiar. Ademais procuramos
também debater a homogeneização presente na classificação nativa em “tupi” e
“tapuia”. Diante disso, ressaltamos a importância de debates como estes na sala
de aula, instigando os alunos do ensino básico a questionar a construção de um
discurso falacioso e imagens que contribuem na retirada do papel da população
nativa enquanto sujeitos históricos e protagonistas da História do Brasil.
O processo de elaboração da oficina didática
consistiu na organização de um plano de aula, separação documental e estudo de
aporte teórico voltado a temática. A oficina foi desenvolvida em quatro turmas
diferentes, em nível fundamental e médio, em escolas da rede pública. Uma
oficina ministrada na Escola Normal Oficial de Picos em duas turmas de segundo
ano e outra oficina em duas turmas de oitavo ano na Unidade Escolar Francisco
Suassuna de Melo, na cidade de Pio IX, com um público externo de
aproximadamente 150 alunos e professores da educação básica em unidades
educacionais inseridas em contextos socioeconômicos de baixa renda.
Resultados e discussões
Através da participação no Projeto de Extensão
“Decifrando a história a partir de manuscritos: leitura, interpretação e
escrita da história do Piauí colonial” foi possível ampliar os horizontes do
conhecimento no que diz respeito a historiografia luso-brasileira do Piauí
Colonial, a partir da transcrição e compreensão das cartas e ofícios, como
também das leituras recomendadas pelo professor coordenador do projeto.
Dessa maneira, durante a leitura dos documentos
simultaneamente as leituras dos textos voltados ao Piauí Colonial, foi possível
perceber a vasta riqueza que tínhamos no território com a criação de gado, esta
que foi uma das mais importantes atividades econômicas e principal
desencadeadora da povoação no território dos sertões durante o período
colonial, como discute o geógrafo Vicente Eudes Lemos Alves (2003).
Uma das cartas utilizadas para construção do
material didático foi escrita pelo mestre de campo Bernardo de Carvalho Aguiar,
ao Rei D. João V, que relatava as guerras e o extermínio contra os grupos
étnicos nativos. A partir da análise dessa carta construímos uma discussão
acerca da ocupação e formação do território do Piauí, ressaltando como este
processo de expansão foi genocida, o perigo que os grupos chamados por “gentio
bárbaro” traziam para os colonizadores, visto que eram populações que resistiam
ao processo de conquista, causando conflitos mais intensos tanto para as
autoridades como para os moradores.
Posterior a análise de fontes históricas e
leitura do aporte teórico foi iniciado a estruturação e construção de materiais
didáticos para a oficina, como já mencionado, utilizamos algumas cartas como
elemento norteador para apresentação do projeto nas escolas. Na oficina
indagamos os alunos a respeito do entendimento sobre a história do período
colonial e o que eles conheciam por resistência nativa. Como esperado, os
discentes alegaram que as informações obtidas sobre esses povos até o momento
de sua formação estavam vinculadas apenas na relação de exploração que
Portugal, enquanto Metrópole do Brasil, instituía no período colonial aos
nativos.
Nesse sentido, através da execução do projeto
nas escolas do ensino básico conseguimos oferecer uma nova possibilidade de
discussão nesse ambiente escolar. Problematizamos junto aos discentes a
formação e ocupação das terras do Piauí de modo que despertou o interesse
desses alunos, pelo fato de tratar de uma história próxima no que diz respeito
ao que era o Piauí antes de estarmos ocupando na contemporaneidade.
Diante disso, ao tratarmos da visão do
conquistador presente nos documentos do Conselho Ultramarino sobre as
populações nativas de forma depreciativa, possibilitamos uma discussão acerca
de uma historiografia do tempo presente, apresentando a relação de genocídio
étnico naquele período e todo o processo de contínua violência que esses grupos
sofrem no período atual. Apresentamos a esses alunos alguns exemplos das mais
de 250 etnias existentes e das mais de 274 línguas faladas por esses grupos,
constatadas pelo censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), expondo culturas e costumes e buscando desconstruir a ideia
de que essas sociedades vivem homogeneamente, como era exposto nos manuscritos
e até mesmo nos livros didáticos utilizados por professores e alunos da
educação básica.
Destacamos que as oficinas proporcionaram uma
ampliação dos horizontes acerca da historiografia luso-brasileira, tanto para a
graduanda que obteve uma formação capacitada diante da experiência com ensino,
pesquisa e extensão, como para os discentes da educação básica que obtiveram um
novo olhar para a história e a geografia deste espaço, favorecendo assim de
forma inovadora o processo de aprendizagem desses alunos no que diz respeito a
História do Piauí.
Considerações finais
Diante do debate empreendido até aqui, foi
possível percebermos que o projeto atingiu os objetivos esperados, posto que,
através do estudo dos documentos e leitura da bibliografia recomendada houve a
produção de material didático e apresentação do mesmo em duas escolas nos
municípios de Picos e Pio IX. Dessa forma, com a execução da oficina foi
possível contribuirmos no conhecimento crítico do alunado fora da Universidade,
tornando assim o Projeto executado como uma interseção entre o ensino, pesquisa
e extensão. Ademais, ressaltamos que o Projeto possibilitou um estreitamento das
relações entre universidade e educação básica.
A oficina possibilitou trabalhar com cartas e
ofícios do Conselho Ultramarino de forma que foi viável desconstruirmos a
homogeneização de grupos étnicos nativos, havendo ainda uma análise dos
processos de dualismo entre nativos “mansos” e “bravos”, visto que as fontes
históricas trazem essa problemática partindo de um viés eurocêntrico.
A partir do manuscrito que foi trabalhado com os
alunos em sala de aula, fomentamos um debate diante do relato na carta do
Mestre de Campo Bernardo de Carvalho Aguiar acerca das guerras que eram
travadas pelos europeus contra os grupos étnicos nativos e a forma que estas
populações resistiam ao processo de colonização, desconstruindo a ideia dos
indígenas enquanto vítimas e passivas na história do período Colonial. Desse modo, possibilitamos uma discussão
sobre a importância de questionarmos acerca do perigo que é reproduzir apenas o
que encontra-se nos livros didáticos, de forma que não seja propagada a ascensão de ideias deturpadas e mal
embasadas sobre os fatos históricos, fomentando ainda a importância e
necessidade de ser trabalhada uma história regional e local em sala de
aula para que dessa forma os alunos consigam compreender que são sujeitos
ativos e protagonistas da história.
Por
conseguinte, é importante ressaltar que o projeto de Extensão intitulado:
“Decifrando a história a partir de manuscritos: leitura, interpretação e
escrita da história do Piauí Colonial” coordenado pelo professor Rafael Ricarte
da Silva nos possibilitou vivenciar experiências na área da pesquisa
historiográfica piauiense, sendo possível conhecer e se familiarizar com os
documentos do arquivo do Conselho Ultramarino, com as cartas de sesmarias,
cartas estas que falavam sobre como acontecia a apropriação territorial, sobre
as guerras que aconteciam com o homem branco e a população nativa, evidenciando
todo genocídio nativo, possibilitando uma desconstrução de toda a escrita
desses documentos.
Durante a minha
participação no projeto desde o ano de 2019 posso afirmar que apesar das
dificuldades enfrentadas, este foi um projeto de extrema importância para a
minha formação, ao ler e analisar os textos
orientados pelo professor coordenador tive um interesse ainda maior pela
temática de história indígena fui me aprofundando e tendo cada vez mais
interesse pela questão trabalhada, e me permitindo também desconstruir
discursos sobre a inferiorização historiográfica da população nativa, como
também percebendo o grande perigo da reprodução de uma história única, sobre os
estereótipos e invisibilidade que ofertamos a essa parte importante da
historiografia que por ventura é chamada de “minorias”, uma história que ainda
parte do Colonialismo, em uma visão eurocêntrica e errônea, esta que ainda é
reproduzida na contemporaneidade, inclusive no ensino de história, e como há esse abismo entre conhecimento
produzido na academia e na sociedade, é que se faz necessária a efetivação de
projetos como esses.
Referências biográficas
ARRAIS, Antônia Natália de Sousa, estudante do
curso de Licenciatura Plena em História pela Universidade Federal do Piauí,
campus Senador Helvídio Nunes de Barros.
Referências bibliográficas
BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos.
São Paulo: Cortez, 2008.
GUIMARÃES, Selva. Didática e prática de ensino de História: experiências, reflexões e
aprendizados. 13ª edição. São Paulo: Papirus, 2012.
PINSKY, Jaime &
PINSKY, Carla Bassanezi. Por uma História prazerosa e consequente. In: KARNAL, Leandro
(Org.). História na
sala de aula: conceitos, práticas e propostas. 6ª ed. São
Paulo: Editora Contexto, 2016, p. 17-36.
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Os índios na História do Brasil no século
XIX: da invisibilidade ao protagonismo. Revista História Hoje, v. 1, no
2, p. 21-39 , 2012
OLIVEIRA, Ana Stela de negreiros. O povoamento colonial do Sudeste do Piauí:
indígenas e colonizadores, conflitos e resistência. Tese (Doutorado em
História), Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2007.
ALVES, Vicente Eudes Lemos. As bases históricas da formação territorial
piauiense. Geosul, Florianópolis, v. 18, n.36, p 55-76, jul./dez. 2003.
FONTE
REQUERIMENTO do mestre-de-campo do Piauí,
Bernardo de Carvalho Aguiar, ao rei [D. João V], solicitando anulação da nota
inscrita no seu assento, que lhe dá baixa do soldo, correspondente à guerra
contra o gentio em Parnágua. AHU-Piauí-ACL-CU-018, Cx.1.D.41.
No último parágrafo das considerações finais você cita que há um abismo entre conhecimento produzido na academia e na sociedade. Na sua concepção qual/quais as estratégias que podem ser adotadas para exterminar esse “ abismo”?
ResponderExcluirQue incrível esse projeto. Parabéns pelo texto.
ResponderExcluirA partir das suas observações, no contexto da sala de aula, quais suas impressões sobre a recepção dessa temática pelos estudantes da educação básica?
Sâmara Cavalcante Rocha