Arthur Luis de Vasconcelos da Costa e Luiza Martins Varricchio

PERSPECTIVAS ACERCA DA LEGISLAÇÃO SOBRE ENSINO DE HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA E OS OBSTÁCULOS A SUA PRÁXIS

Arthur Luis de Vasconcelos da Costa
Luiza Martins Varricchio
 
Em se tratar da agregação de novas narrativas no contexto do ensino de história, existe um desafio constante de substituir uma narrativa estabelecida, eurocêntrica e encastelada, por uma que supra os silêncios perpetuados, trazendo os subalternizados ao palco da história enquanto campo da experiência narrada. Essa premissa faz com que na discussão e instauração de políticas educacionais, considerando o caso específico brasileiro, haja essa preocupação de contrapor o imposto e estabelecido pela tradição hegemônica desde a natureza positivista/historicista, ou seja, com foco na História Política e na construção de identidades nacionais, da construção historiográfica brasileira, e, por conseguinte, seu primeiro projeto de educação histórica, como no IHGB.
 
Desta forma, quando falamos das leis 10.693/2003 e 11.645/2008, que regulamentam o ensino de “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”, devemos, antes de mais nada, encará-las como passos muito decisivos na direção certa, a direção de um ensino de história mais plural e comprometido com as narrativas dos subalternizados, que devem ter espaço para se expandir e se fazerem ouvir. Ainda assim, é necessário perceber, na prática, como se dá o funcionamento, e ainda mais, a viabilização desta perspectiva de ensino, de acordo não só com essas leis, mas também demais legislações educacionais e documentos norteadores da educação brasileira.
 
Sabe-se que as leis 10.639/03 e 11.645/08 redigem o texto da Nova Lei de Diretrizes e Bases, lei 9.394/1996, que estabelecem os moldes específicos que devem ser seguidos pela educação nacional em suas variadas esferas.
 
A lei 10.693/03 estabelece, no que acresce à lei 9.394/96, que
 
"Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.
§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.
§ 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras. [...]
Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de novembro como ‘Dia Nacional da Consciência Negra’." (BRASIL, 2003)
 
A lei 11.645/08 estabelece, para além do ensino da História e Cultura Afro-Brasileira, o História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena, redigindo a Nova LDB da seguinte forma:
 
"Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena.
§ 1º O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil.
§ 2º Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasileiras." (BRASIL, 2008)
 
 À mesma maneira, todas as leis citadas acima trabalham para basear o currículo da educação básica brasileira, atualmente sintetizada na Base Nacional Comum Curricular, que abrange as competências e conteúdos a serem ensinados em cada uma das áreas do conhecimento e seus respectivos programas para cada etapa da educação básica.
 
Contudo, a BNCC, promulgada em idos de 2018 em sua versão final, segue um processo de construção o que se chama de “transposição didática”, que seria a deformação de um saber acadêmico, “sábio”, em um saber adaptado, simplificado, “ensinado”. Esse processo com a própria natureza do “saber ensinado”, depois de sua deformação desde o “saber sábio”, apresentando-o com pretensão de neutralidade epistemológica, afastando-o da fonte histórica como objeto de estudo e esperando respostas certas e passíveis de avaliações objetivas, sustentando-se no fato, a problematização e a disputa de narrativas são naturalmente desencorajadas. (VARRICCHIO, 2022, p. 8)
 
A forma que os conteúdos se apresentam na BNCC, linearmente, muito centralizadas na história do ocidente, incute ao ensino de história uma característica entre o positivismo e o historicismo realista, recontando grandes eventos, esboçando as biografias de grandes homens, e estabelecendo
 
“Um nexo causal entre vários momentos da história. Mas nenhum fato, meramente por ser causa, é só por isso um fato histórico. Ele se transforma em fato histórico postumamente, graças a acontecimentos que podem estar dele separados por milênios. O historiador consciente disso renuncia a desfiar entre os dedos os acontecimentos, como as contas de um rosário. Ele capta a configuração em que sua época entrou em contato com uma época anterior [...].” (BENJAMIN, 1987, p. 232)
 
Apesar de muito bem-intencionadas e profundamente necessárias, as leis acima citadas, cuja implementação de fato demora anos, não dão conta de modificarem o status quo dessas tradições: o Positivismo e o Historicismo “foram frutos de uma mesma necessidade de época, representada pelo paradoxo de encaminhar uma modernização política que viabilizasse aquele desenvolvimento industrial que atenderia às exigências da burguesia triunfante, e ao mesmo tempo conservar alguns privilégios.” (BARROS, 2011, p. 109), e se arraigam, assim, no ensino de história pela sua própria característica fundante de estruturas de pensamento e mentalidade.
 
Apresentar as narrativas dos indígenas e dos negros na posição de alteridade a essa narrativa oficial, como ponto de vista opositor, significa antepor aos heróis da história oficial os seus subalternizados, os “esqueletos em seus armários”, fazendo que, para um ensino ainda muito linear e despreparado para as comparações de fontes e fortemente sustentado nestas tradições historiográficas verticalizadas, essas histórias permaneçam, ainda, acantonadas e pequenas quando comparadas ao espaço ocupado pela oficialidade.
 
Ademais, não é como se essas narrativas não tivessem espaço algum dentro da história oficial das narrativas políticas, mas o espaço a elas reservado é aquele que delas se favorece para a construção de heróis que arrastam consigo uma ideia concisa e coesa de um povo unificado sob um único estandarte nacional. Isso retira das vozes seus pesos e suas mazelas, sua subalternização, que não pode ser separada desta história que deve falar da opressão perpetrada: apagar a subalternização é apagar, também, a ação do subalternizador, de forma a monumentalizar a história e perpetuar a barbárie. Isso se denota pelo fato de grupos diferentes e suas especificidades culturais e linguísticas serem colocados sob termos “guarda-chuva” até mesmo em momentos de aprofundamentos analíticos, de forma superficial, ou até mesmo errônea: aglutinar a especificidade de um para outro gera apagamentos identitários e cala as vozes destes grupos.
 
“Quando a narrativa foca apenas em objetos e não nos efeitos, ela acaba por passar por cima, repetidamente, dos vencidos, seus descendentes, suas histórias e tudo o que elas significam; reifica-se os educandos, e concomitantemente os educadores, ao ensinar-lhes a narrativa ‘certa’ considerando não diferentes pontos de vista com suas validades, mas considerando que há uma história ‘errada’. Essa prática ameaça a memória em si e a propagação dela, ameaça histórias que têm tanto direito de serem ouvidas quanto aquela que se oficializa por cada vencedor que a propagou.” (VARRICCHIO, 2022, p 18)
 
Na BNCC, das 109 habilidades específicas para o curso de História do 6º ao 9º ano, tem 24 que buscam um enfoque específico nas questões entre história e cultura africana, afro-brasileira e indígena, o que não é um número com tão baixa expressividade. Faz-se necessário pensar, contudo, como ocorre essa inserção, uma vez que, apesar da tentativa de incluir essas narrativas no que se deve ser repassado, como se disse inicialmente, não sai dessa grande história do ocidente, uma “História Geral”, que se passa, em sua grande parte na Europa, com seus protagonismos brancos, e demais narrativas sendo incluídas em função desta. 
 
Vale se atentar, ainda, que as leis acima dizem respeito especialmente às disciplinas de História, Religião e Literatura, de forma que mais ainda é necessário pensar as questões eurocêntricas e coloniais acerca desse ensino, que por muitas vezes não se preocupam com as fontes de informação e com a titânica responsabilidade de trazer olhares antirracistas e que fujam também de um idealismo, ambos folclórico e bucólico, nos quais pode se incorrer.
 
De acordo com o que se viu e se discutiu em audiência pública com representantes civis das minorias interessadas nas leis do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena, na prática, as premissas deste ensino não se transformam em prática. As atividades sobre as religiões de matriz africana são “folclóricas” isoladas em novembro, mês da Consciência Negra, assim como as do “Dia do Índio” em abril (BITTAR, 2021). Considerando ainda as condições materiais, o mundo que contém esse processo de ensino e aprendizagem, nas quais é discutida a PL 490/07, do Marco Temporal, retirando dos povos indígenas os direitos sobre suas terras, e nas quais, apenas em 2021, foram feitas 571 denúncias de violação à liberdade de crença no Brasil (VILELA, 2022), é verdadeiramente perigosa a posição acantonada e tímida que esse ensino ocupa.
 
Da mesma forma, conforme afirma Borin acerca do currículo de Ensino Religioso, mas podendo facilmente ser ampliado para as demais disciplinas incluídas nas especificidades das leis de Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena, muitos professores não têm referenciais sobre os temas, mesmo com a BNCC como documento norteador e sua adesão nos currículos estaduais e municipais, “ainda há muitos casos de aulas elaboradas a partir de valores cristãos” (ROSSETO; DIAS, 2022, p.4), bem como eurocêntricos e coloniais.
 
Nessa medida, é preciso então pensar na formação destes professores para suprirem as demandas vindouras de uma educação mais inclusiva, representativa e democrática. Conforme afirma Marx, “também o educador deve ser educado”  (MARX, 1978, p. 52), levando com que precisemos pensar nas questões não só de formação formal, institucional, como da formação continuada, social e política, que afetam as condições materiais que possibilitam e moldam o processo de ensinoaprendizagem. Institucionalmente, é de 2019 a resolução do Conselho Nacional de Educação que estabelece que
 
“O § 8º do art. 62 da LDB estabelece que os currículos dos cursos da formação de docentes terão por referência a Base Nacional Comum Curricular (BNCC-Educação Básica); 
A Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de 2017, em seu art. 11, estabelece o prazo de 2 (dois) anos, contados da data de homologação da BNCC-Educação Básica, para que seja implementada a referida adequação curricular da formação docente; 
O § 1º do art. 5º das Resoluções CNE/CP nº 2, de 22 de dezembro de 2017 e CNE/CP nº 4, de 17 de dezembro de 2018, entre outras disposições, estabelece que a BNCC-Educação Básica deve contribuir para a articulação e a coordenação das políticas e ações educacionais em relação à formação de professores”
 
Fazendo com que tenha que se considerar que, por mais que a BNCC coloque como parte de seu conteúdo integrante essas temáticas, é de responsabilidade, também, das instituições de ensino superior colocarem-se em consonância com ela ao estabelecerem seu conteúdo programático, a bem de que os professores tenham a base teórica e de conteúdos para que se formem condições básicas deste processo de ensinoaprendizagem: a intimidade do educador com aquilo que ele vai ensinar. Resta estudo mais aprofundado sobre, mas primordialmente, pela repetição de moldes institucionais que ocorre verticalmente entre ensino superior e ensino básico, sabe-se que, pelo menos a princípio, esta base teórica se monta sem eximir-se das narrativas dos subalternizadores.
 
Da mesma forma, acerca da formação continuada e humana dos indivíduos que são professores, as condições materiais de seu processo de ensinoaprendizagem não são diferentes das dos indivíduos na educação básica: uma sociedade desigual, com um descolamento claro entre as respostas que se entrega através do passado e as perguntas que urgem os acontecimentos no presente. Essa discrepância gera o que Paulo Freire chamaria de “imitar o mundo”, ordenar para o educando um mundo que se ordena naturalmente pelos homens ao olharem para ele, estarem imersos nele. Expor a história de grupos estruturalmente oprimidos desconsiderando a realidade significa conformar problemas reais a uma “história monumento”, um passado morto.
 
Estes conteúdos não podem ser apenas para cumprir o que dizem as leis sobre o Ensino de História Afro-Brasileira e Indígena, nem tampouco algo para riscar da lista uma reivindicação de pautas identitárias, “para inglês ver”: existe uma pungente responsabilidade em usar a história e o ensino, dela e de quaisquer outros campos disciplinares, como ferramenta geradora de criticidade e incentivadora de agentes de mudança. Modificar o quadro que se apresenta, de racismo, intolerância e violência reiterados, é uma responsabilidade social, na qual a educação, como perpetuadora da cultura, é lugar privilegiado de movimento. 
 
Não é suficiente trazer à luz a presença destes grupos em momentos históricos, falar sobre sua existência. Sua existência no passado não pode eclipsar sua reiterada opressão no presente, principalmente considerando que muitos destes atores estão em sala, com histórias a serem contadas e vozes a serem ouvidas. Perceber os ecos do passado, os vestígios que permanecem visíveis sob os esquecimentos naturais ou sistemáticos, é, também, responsabilidade da história, dos historiadores e dos professores de história, ambos na cátedra e na educação básica. 
 
Estes pontos de reflexão são considerações iniciais sobre um tema muito amplo que, a cada olhada, capilariza-se mais para outras questões mais profundas e mais abrangentes. Urgem estudos e pesquisas mais abrangentes e aprofundados sobre as narrativas perpetuadas na educação, ambos no caso específico do Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena e no Ensino de História em geral, comprometidos com as críticas necessárias e as vozes interessadas, e com sentido definido à criticidade de todos aqueles envolvidos no processo de ensinoaprendizagem.
 
Mais do que falar sobre o passado, é falar sobre uma história de opressão e resistências que ainda está sendo contada. A função da história é, nesse contexto, mais do que nunca, concordando com Nietzsche e Benjamin, orientar a vida e à ação.
 
Referências biográficas
Arthur Luis de Vasconcelos da Costa, graduando em História pela Universidade Católica de Petrópolis e pesquisador do GEPETHE - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teoria da História e Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Católica de Petrópolis. E-mail: vasconcelos.arthur7@gmail.com.
 
Luiza Martins Varricchio, graduanda em História pela Universidade Católica de Petrópolis, pesquisadora do GEPETHE - Grupo de Estudos e Pesquisa em Teoria da História e Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Católica de Petrópolis e bolsista de Iniciação Científica do GPESP – Grupo de Pesquisa em Educação, Estado, Sociedade Civil e Participação Política. E-mail: luvarricchio@gmail.com.
 
Referências bibliográficas
BARROS, José D’Assunção. Teoria da História, vol. II: Os primeiros paradigmas: positivismo e historicismo. Petrópolis: Vozes, 2011.
 
BRASIL. Lei nº 11.645, de 10 de Março de 2008. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2008/lei-11645-10-marco-2008-572787-publicacaooriginal-96087-pl.html>. Acesso em 31 jul. 2022.
 
BITTAR, Paula. Participantes de audiência cobram que escolas ensinem sobre história indígena e afro-brasileira. Câmara Notícias, 09 jun. 2021. Disponível em:  <https://www.camara.leg.br/noticias/783914-participantes-de-audiencia-cobram-que-escolas-ensinem-sobre-historia-indigena-e-afro-brasileira/>. Acesso em 31 jul. 2022.
 
BRASIL. Lei nº 10.639, de 9 de Janeiro de 2003. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm#:~:text=L10639&text=LEI%20No%2010.639%2C%20DE%209%20DE%20JANEIRO%20DE%202003.&text=Altera%20a%20Lei%20no,%22%2C%20e%20d%C3%A1%20outras%20provid%C3%AAncias>. Acesso em 31 jul, 2022.
 
VILELA, Pedro Rafael. Em 2021, foram feitas 571 denúncias de violação à liberdade de crença no Brasil. Brasil de Fato, Brasília (DF), 21 jan. de 2022. Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2022/01/21/em-2021-foram-feitas-571-denuncias-de-violacao-a-liberdade-de-crenca-no-brasil>. Acesso em 31 jul. 2022.
 
MARX, Karl. Teses contra Feuerbach. São Paulo: Abril Cultural, 1978. (Coleção Os pensadores).
 
VARRICCHIO, L. M. Constellations of consciousness and freedom: considerations on barbarism from the thoughts of Walter Benjamin and the guiding documents of Brazilian education. Research, Society and Development, [S. l.], v. 11, n. 8, p. e24411830728, 2022. DOI: 10.33448/rsd-v11i8.30728. Disponível em: https://rsdjournal.org/index.php/rsd/article/view/30728. Acesso em: 31 jul. 2022.
 
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1987.

12 comentários:

  1. "Na BNCC, das 109 habilidades específicas para o curso de História do 6º ao 9º ano, tem 24 que buscam um enfoque específico nas questões entre história e cultura africana, afro-brasileira e indígena, o que não é um número com tão baixa expressividade. Faz-se necessário pensar, contudo, como ocorre essa inserção, uma vez que, apesar da tentativa de incluir essas narrativas no que se deve ser repassado, como se disse inicialmente, não sai dessa grande história do ocidente, uma “História Geral”, que se passa, em sua grande parte na Europa, com seus protagonismos brancos, e demais narrativas sendo incluídas em função desta". A partir desse fragmento retirado do texto acima pergunto: " Como fazer então para que nas aulas da Educação Básica - em ensino de História, sobretudo - saiamos dessa narrativa linear e progressista da História Geral e trabalhar com outras metodologias - se a BNCC - me parece ser "fechada" em seus mecanismos de metodologias de aula?

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    1. Olá, Odair! Agradecemos pela sua pergunta. Ao observarmos as legislações e demais documentos que se colocam enquanto referência ambos para nortear a Educação Básica e para formar os educadores que estarão nas salas da Educação Básica, percebemos que a BNCC faz-se crítica para as instituições de educação brasileira num geral, em vários níveis, uma vez que a Resolução do CNE de 2019 que estabelece a Base Nacional Comum para a formação de professores coloca o conteúdo da BNCC como central também para a formação de professores, fazendo com que essa narrativa eurocêntrica pareça quase inescapável.
      É interessante, contudo, atentarmo-nos às competências gerais e textos introdutórios das áreas que abrem um leque de possibilidades epistemológicas para além das habilidades e competências específicas que se apresentam de forma mais dura, permitindo-nos comparatividade de narrativas e a compreensão do campo histórico como um em disputa, com pontos de vista diferentes. Isso dá ao professor um lastro para seu trabalho.
      Essa mesma BNCC é a que embasa os livros didáticos usados em sala de aula, dos quais sabemos, também, as limitações, principalmente quando usados como a única ferramenta plausível pelo professor, mas que pode ser enriquecida pelo uso de outras fontes de forma a trazer outras vozes.
      Da mesma forma, vale pensarmos o Ensino de História como um que se faz de sujeitos para sujeitos e um que deve ser conectado com a realidade dos educandos, e abraçar a pluralidade de podemos perceber na grande maioria das salas de aula do país. Existem vozes a serem ouvidas e que podem trazer perguntas e perspectivas para a história a partir do presente, escapando à monumentalização do "índio" e do "escravo".
      Em verdade, acreditamos que o caminho metodológico passa pela preocupação com uma formação docente plural, rica em tratamento de fontes das mais diversas e preocupada com as formas que pode-se apresentar os temas de forma didática para além do livro didático que acaba por se apresentar como narrativa única, e também pela capacidade de reconhecer no educando também a subjetividade de um ser histórico, cujas perguntas feitas à história partem de um lugar mais que legítimo, mesmo que a resposta não esteja no gabarito.

      Ass. Arthur Luis de Vasconcelos da Costa
      Luiza Martins Varricchio

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  2. Essa é uma pergunta de Odair de Souza. Esqueci de mencionar na pergunta

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  3. Passados 19 da implementação da Lei 10.639/03 e 14 anos da Lei 11645/08, pesquisas apontam que a Historia e cultura africana , afro-brasileira e indígena continuam sendo ensinadas de forma parcial, tanto na Educação Básica, como no Ensino Superior . O que é necessário ser feito para que as legislações sejam realmente cumpridas em sua integralidade?
    Luzinete Santos da Silva

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    1. É preocupante para nós educadores que a Lei que poderia transformar a escola brasileira em uma escola diversa, plural e menos racista complete os 19 anos sem institucionalizar e galgar o degrau de política pública; Acredito que a interdisciplinariedade, é capaz de trazer novas visões de mundo para as matrizes civilizatórias que compõe nosso ensino, quebrando a hegemonia do pensamento euro-centrado, que por muitas vezes não contempla a formação social do povo brasileiro. Além disso, é necessário esforços contudentes dos membros executivos federais, estaduais e municipais, com o monitoramento e a cobrança mais rigorosa das instâncias responsáveis.

      Arthur Luis de Vasconcelos da Costa
      Luiza Martins Varricchio

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  4. Parabéns autores. Pesquisamos também essa temática e ela, continua e pelo que vemos, continuará urgente! Nossa indagação é acerca do contexto educacional e cultural de onde vocês são provenientes, uma vez que aqui no RS, em região de colonização alemã o racismo estrutural em discursos e práticas são visíveis! Vale lembrar, que a BNCC, dá uma guinada na concepção educacional, ela desloca-se "do conteúdo" para que "desenvolvamos habilidades". Assim, pensa-se que ao invés de tratar “escravidão” nua e crua como conteúdo. Sugere-se que se produza contextos didáticos para que alunos desenvolvam habilidades reflexivas sobre a importância histórica, cultural e educacional de se pensar e discutir práticas escravagistas de outros momentos históricos e em que medida, tais “assombrações” podem emergir novamente e como identificar de forma concreta, o racismo estrutural, por exemplo. Dito isso, gostaríamos de ouvir sobre as resistências, os limites e as possibilidades de efetivação no contexto em que os autores estudam e trabalham?
    Gratos
    Jander Martins e Vitória Wingert

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    1. Obrigada pela questão, Jander e Vitória! Somos da cidade de Petrópolis, no estado do Rio de Janeiro, a 70km da capital, e essas perspectivas por aqui são simultaneamente de muita riqueza e muita tensão. A posição para tratarmos sobre a História Afro-Brasileira no estado do Rio, para além das questões mais óbvias da História do Brasil que se fazem muito importantes e presentes para este ensino, pode ser muito privilegiada pela proximidade ao Cais do Valongo e à Praça XV, por exemplo, ou então pela força da cultura essencialmente negra que vemos com muita força e em todo canto aqui, mas pela força com que se apresenta a presença evangélica que por muitas vezes carrega uma carga de preconceito preocupante nos gera questões complexas de intolerância ao apresentar-se alguns aspectos muito necessários por aqui. Somos bombardeados com notícias de destruição de terreiros e de expulsão de umbandistas e candomblecistas das comunidades que fazem parte do Complexo de Israel no Rio, por exemplo, o que é bastante impactante. Petrópolis, contudo, é uma cidade majoritariamente branca, com colonização italiana e alemã (esta última sendo muito fetichizada por aqui), um passado sombrio que flerta abertamente com o nazismo, e vemos ainda um certo temor de muitos professores tangenciarem questões raciais em sala de aula.
      Da mesma forma, Petrópolis tem em sua história, antes de seu povoamento europeu, o conhecimento de que este território era habitado pelos "Índios Coroados", e apesar de serem mencionados na apostila específica de história local que temos, usada na matéria de História, Geografia e Trânsito de Petrópolis, o material é ultrapassado e ainda monumentaliza e fetichiza esses indígenas. Os prospectos, porém, são positivos, pois ficamos sabendo recentemente que as apostilas estão sendo refeitas e retrabalhadas por uma conhecida de nosso orientador.
      Esperamos ter respondido e estamos disponíveis para demais questões!

      Ass. Arthur Luis de Vasconcelos da Costa
      Luiza Martins Varricchio

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  5. Bom dia autores , pesquiso coletando dados sobre a aplicação da lei 10.639/2003 procurando compreender como se poderia aplicar a lei em sua efetividade. Um dos pontos discutidos é a formação continuada dos professores. "acerca da formação continuada e humana dos indivíduos que são professores, as condições materiais de seu processo de ensino-aprendizagem não são diferentes das dos indivíduos na educação básica: uma sociedade desigual, com um descolamento claro entre as respostas que se entrega através do passado e as perguntas que urgem os acontecimentos no presente". Com essa lei 10.639/2003 é um fio condutor que possibilita recontar a história do negro porém por si só não é o suficiente. A formação de professores seria seria um pilar central para amenizar o pensamento eurocêntrico de uma sociedade desigual?

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    1. Olá Rosimara! Obrigado pelo comentário. o espaço educacional, como um todo, é claramente onde emerge a possibilidade de gerarmos questões, indagações e respostas no individuo que esta em formação. Recentemente, é possível apontar que existe uma possível transformação da universidade brasileira, no que tange a formação do conhecimento eurocentrado, mas também entende-se que para os estudos da periferia do mundo acontecerem de forma satisfatória é necessário abarcar a totalidade de sua estrutura organização e formação, logo é indissociável tal caráter na formação de professores. Para isso, alguns passos já foram dados e não podem ser desconsiderados, como, a própria inserção dos dispositivos referentes à Lei 10.639/03 que representa um avanço, mesmo que não autosuficiente e deveras fragmentado. Tal presença, em nossas leis, precisa ser valorizada, visto que, por séculos, a população africana e afro-brasileira foi considerada irrelevante para ser incluída nos currículos acadêmicos e desprovida de qualquer conhecimento válido;
      Ass: Arthur Luis de Vasconcelos da Costa
      Luiza Martins Varricchio

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  6. Tonia Maria Oliveira da Silva15 de setembro de 2022 às 11:00

    Bom dia autores, as leis são necessárias para regulamentar conteúdos, porém elas são aplicadas de forma parcial. Eu adoto o mesmo pensamento de que "é necessário perceber, na prática, como se dá o funcionamento, e ainda mais, a viabilização desta perspectiva de ensino, de acordo não só com essas leis, mas também demais legislações educacionais e documentos norteadores da educação brasileira". Qual seria a possibilidade para se conseguir a interdisciplinaridade aplicada nos componentes curriculares tendo em vista as políticas educacionais?

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    1. A interdisciplinaridade, tanto em sua dimensão epistemológica quanto pedagógica, está sustentada por um conjunto de princípios teóricos que criticam o Positivismo cientifico que baseou boa parte da formação dos professores no séc. XX. Logo, a percepção proposta com as novas propostas pedagógicas, trouxe à tona, pelo viés da interdisciplinaridade, a possibilidade de percebermo-nos dentro de uma rede de interações complexas na qual todos os conceitos e teorias estão conectados entre si. Acreditamos, particularmente, que a possibilidade de mudança com as consequências desse status-quo, esteja na formação de professores. Portanto, a interdisciplinaridade é um movimento importante não só na articulação entre o ensinar e o aprender, mas também na formulação teórica da formação de professores, que nascerão cientes do esforço pedagógico que isso gera e que consigam trabalhar de forma consoante ao currículo, aos métodos, aos conteúdos, a avaliação e as formas de organização dos ambientes para a aprendizagem.

      Arthur Luis de Vasconcelos da Costa
      Luiza Martins Varricchio

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    2. Obrigado pelo comentário!!!!

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