Leonardo Candido Batista

UMA ABORDAGEM DOS LIMES ORIENTAIS DO IMPÉRIO ROMANO NO ENSINO DE HISTÓRIA

Leonardo Candido Batista
 
 
A proposta do artigo é oferecer ferramentas para uma análise de como as fronteiras étnicas eram construídas nos limes orientais do Império Romano. Para seguir nessa linha de análise; é necessário ter em mãos uma matriz metodológica que englobe toda uma discussão envolvendo, etnicidade, identidade, estereotipação, e por último uma historiografia que proporcione um conhecimento abrangente sobre o assunto. Com todos esses itens, podemos ter uma percepção mais acurada dessas sociedades que estavam além das fronteiras romanas, pois é necessário desconstruir vários conceitos enviesados que muitas vezes ainda persistem no ensino, seguindo os padrões e ideologias da construção do termo “bárbaro”, com mesclas de seus significados na Antiguidade Clássica, Renascimento e no Romantismo.
 
Uma breve descrição desses povos que viviam às margens do Império Romano é necessária para entendermos serem sociedades com estruturas estatais complexas, sendo assim, longe de serem “incivilizadas”, como muitas vezes são representadas pela óptica da cultura helenística. Maria Sonsoles (1987, p. 6-7) faz um apontamento interessante de como esses grupos considerados “bárbaros” eram estudados em relação de sua fundação antagônica com os romanos, não sendo vistos em suas individualidades e como portadores de uma cultura própria, distintas dos padrões clássicos.
 
Um breve estudo de caso: Partos, Palmira e Sassânidas
 
No Oriente vemos algo similar acontecer. Primeiramente focaremos o caso dos partos, que se estabeleceram no nordeste do Irã. Segundo Martin Goodman (1997, p. 244) o Estado Parto surgiu, assim como outros, além das ruínas do império Selêucida. Os parni foram uma tribo nômade originários do norte da Pérsia, mas em meados do século I a.C., conseguiram o controle do centro e do sul da Mesopotâmia. Edward Dabrowa (2012, p. 165) fala que os trabalhos de autores gregos e romanos, a quem devemos nosso conhecimento básico sobre esse povo, embora importantes, não merecem confiança, porque essas fontes nem sempre possuíam informações plausíveis e uma compreensão da realidade política e social da Pártia. Além disso, elas são quase invariavelmente hostis aos partas e deliberadamente obsoletas ao significado dos arsácidas (dinastia que fundou o Império Parta), que apareciam como bárbaros para os gregos e romanos, um penoso obstáculo para seus esquemas imperiais. A monarquia seguia a transição de poder de pai para o filho mais velho, tendo uma tradição do rei apontar seus filhos como corregentes. Embora essa forma de sucessão não fosse firmemente estrita, sendo que o monarca poderia apontar seu próprio irmão, ignorando assim sua descendência.
 
 

 Figura 1 – Mapa do Império Parta
 
Dabrowa (2012, p. 179) destaca que por volta do segundo século a.C., os arsácidas começaram a incorporar em sua dinastia sinais claros de ligações com os aquemênidas. Incluindo uma genealogia fictícia que mostrava Arsaces I e seu irmão como descendentes do rei persa Artaxerxes. O autor ainda explica que outras formas da cultura iraniana eram vistas em diversas esferas, como, por exemplo, acentuar o papel do zoroastrismo na vida religiosa. O iranismo propagado pelos arsácidas resultou de uma necessidade de legitimar seu governo, e foi uma importante ferramenta na interação ideológica do Estado que criaram. Instituições desse reino exibiam traços gregos emprestando tradições do helenismo, que deixaram apenas pequenas marcas. Apesar de as sonoras opiniões ressoarem como uma “barbarizada” forma de monarquia helenística, devem ser entendidas como uma típica estrutura estatal com traços do Antigo Oriente Próximo.
 
 
           

Figura 2 – Relevo romano representando um prisioneiro parto
 
Como analisa Eriksen (1993, p. 22) o esteriótipo é gerado quando dois indivíduos se encontram pela primeira vez, as poucas informações que eles tentam juntar do outro seriam seu conjunto étnico. Com isso estabelecido, conseguem grosseiramente se postar entre si. Conhecendo esses padrões, pode-se saber que categoria comportamental assumir em relação aos demais membros de cada grupo têm noções particulares dos vícios e virtudes de outros. Quando tais princípios se tornam parte do “conhecimento cultural”, esses se regularizam em uma espécie de guia nas relações, assim podemos descrever essas características como estereótipos étnicos. O conceito de estereótipo refere-se à criação e à aplicação consistente de noções de padronização e de distinção cultural de um grupo. Estereótipos são mantidos por grupos dominados assim como dominantes, e eles se espalham nas sociedades com grandes diferenças de poder, assim como quando existe um violento equilíbrio de força entre os grupos étnicos.
 
Essa questão da estética corporal é um demarcador constante identitário, como destaca Harold Isaacs (1975, p. 39) o corpo é um elemento muito palpável na identidade, seja individual ou em grupo. É o único ingrediente que é indiscutivelmente biológico na origem, adquirido na maioria de suas características essenciais pela herança através dos genes. Outras coisas que constroem uma identidade em determinado clã podem ser transformadas; um indivíduo pode mudar seu nome, ignorar ou esconder suas origens, desprezar ou escrever sua história, mas não há muito que se possa fazer para modificar sua estrutura corpórea. Assim apesar de mudanças que ocorrem devido às trocas culturais, o corpo continua de certa forma inalterada para muitas pessoas, a cor da pele, cabelo, formas, estruturas, estão presentes desde o nascimento até a morte. O aspecto estético na iconografia romana pareceu observar esse detalhe em específico, diferenciando-os dos habitantes dos limes orientais. É de suma importância destacar que qualquer aproximação da discussão feita até agora com pautas identitárias devem ser rechaçadas, pois são anacrônicas, e não se aplicam na Antiguidade.
           
A cultura helenística teve seus estilhaços de adoção não somente entre as tribos germânicas, mas entre reinos do Oriente, como, por exemplo, Palmira, uma província romana de origem árabe. Sua matriz cultural adotara vários costumes romanos, como vestimentas e comportamentos. Michael Sommer (2017, p. 171) apresenta essa cidade como uma rápida relevância política em sua época, erguendo-se e esvaindo-se como uma supernova, não durando mais que uma década (260-272 d.C.). A peculiaridade de Palmira está circunscrita por uma profunda camada histórica, mudando seu ritmo muito lentamente. Religião, economia e instituições sociais, são fatores que deixaram uma marca na cultura material palmiriense mais no que nas fontes textuais que narram seus eventos, exercendo uma aura fantasiosa, muito pelas suas ruínas que ainda podem ser visitadas na Síria, fascinando turistas.
 
                       


Figura 3 – Efígie de Zenóbia cunhada em moeda
 
 
Martin Goodman (1997, p. 247) descreve Palmira como um oásis no deserto, prosperando no final do primeiro século a.C., quando alcançou o controle das rotas do Eufrates. O aramaico, em um dialeto local, era a língua usual, ao passo que se organizavam em tribos cuja principal função era a proteção das caravanas. A região foi anexada por Germânico for volta de 17 d.C., ganhando aos poucos aspectos de uma cidade clássica, utilizando o grego para título de magistrados e nas inscrições oficiais. Para Michael Sommer (2017, p. 186) os palmirienses trouxeram o conjunto de códigos, instituições e modelos necessários para construir uma urbe a partir de dentro, não importando muito se por influxo de imigrantes ou vizinhos. A cultura de Palmira pôde ser eclética desde seu começo graças ao resultado de negociações e empréstimos criativos. Existiram duas referências culturais importantes: O Leste, Mesopotâmia e Irã, e cada vez mais o Oeste, aonde a cultura grega predominava. Quando o Império Romano surgiu iminentemente, esse reino fora percebido apenas como uma radiação de fundo político de uma sociedade já conhecida, em que a influência foi recebida em vários níveis (SOMMER, 2017, p. 186).
 
Por último, a Pérsia Sassânida, não escapou de certa influência helenística. No começo do terceiro milênio d.C., quando os arsácidas lutavam contra o Império Romano e estavam internamente envolvidos em brigas dinásticas, Ardashir conseguiu expulsar governantes locais de Fars e derrotar o rei arsácida por volta de 224 d.C. Como destaca Touraj Daryaee (2012, p. 187) a partir desse momento, esse governante se consagrou com o título de shahan shah, “rei dos reis”, e começou à conquista do território que veio a ser conhecido como Êranshahr, “Terra dos Arianos/Iranianos”.
 
Prudence O. Harper (2008, p.71) afirma que quando os dois primeiros monarcas sassânidas estabeleceram o controle político no Irã e em partes na Mesopotâmia, o interesse primordial e imediato era a criação de um conjunto distintivo de imagens dinásticas. Inicialmente na cunhagem, em seguida em relevos esculpidos nas rochas e vasos de prata, em um programa dinástico que definiria uma visível autoridade. Pierfrancesco Callieri (2017. p. 221) explana que o contato entre os romanos e os sassânidas não foram apenas de caráter militar, e que os relevos em pedra implicam também em uma influência cultural, à medida que muitos dos monumentos envolveram as mãos de experientes escultures, talvez das regiões siro-mesopotâmicas invadidas por Ardashir, o que pode explicar uma rápida mudança de estilo. Os limes romanos com seus interpostos funcionaram de uma forma muito dinâmica, indo além das atividades beligerantes, fortalecendo essas trocas culturais e delineando como as fronteiras são tangíveis, com a cultura rapidamente viaja pelas mesmas.
 

Figura – 4 Relevo em rocha sassânida do sítio de Naqsh-e Rajab
 
Abordagem teórica
 
O estudo das fronteiras do Império Romano é muito importante, pois abrange uma heterogeneidade de povos e culturas que coexistiram e muitas vezes colidiram com a ideologia imperial. A presença de legiões e do comércio nos limes possibilitou transformações econômicas, resultando uma apropriação das sociedades que estavam nessa órbita. As concepções helenísticas, de certa forma, serviram como atrativo simbólico, transformando-as aos poucos em coalizões mais centralizadas. É interessante notarmos como vários grupos étnicos aos poucos foram adotando costumes latinos, miscigenando culturalmente, e se readaptando as características locais. Essas trocas culturais por vezes foram pacíficas, e tiveram um papel fundamental para o desenvolvimento de muitas outras na época. A análise de estereótipos criados pelos romanos é muito comum nas fontes desse período, podendo-se observar os exageros e uma tentativa desses autores de reforçar a grandeza do mundo greco-romano, em contraste com o “incivilizado mundo bárbaro”.
 
Mesmo em decadência, Roma, inspirava algo quimérico para outros povos. Muitos deles tiveram contato com a alta sociedade; com generais e imperadores, e voltaram para o mundo além dos limes com ideias e comportamentos adquiridos dessa interação com o império. Desse ponto de vista, temos que lembrar que no imaginário, a postura do cidadão romano era vista como uma conduta “superiora” a dos povos “bárbaros”, implicando a adoção de um grande aparato simbólico, tentando emular de várias formas essas características. A cultura clássica aparentava uma aura “ilustre”, influenciando as mentalidades a adotarem certos costumes. Pierre Bourdieu (1989, p.12) aborda essa onda de influências depositadas no poder simbólico de determinada estrutura. Fazendo essa agir com o mesmo poder de algo imposto pela violência, tocando o imaginário e formando a individualidade das pessoas.
 
Dessa forma, é importante observamos como essa apropriação de uma cultura que tenta impor uma “supremacia”, com aparatos simbólicos e ideologias, tende a seduzir outras que estão na esfera imperial. Pode-se notar que mesmo na Antiguidade as identidades eram muito fluídas, nuances da cultura helenística foram adaptados para os dois lados dos limes. Esse fenômeno foi caracterizado pela fluidez e heterogeneidade étnica que abrangia todo o Império Romano. Uma ressignificação com proporções locais do mundo helenístico pôde muito bem se mostrar atrativa, como no caso das sociedades brevemente analisadas. 
 
As fronteiras étnicas, como explica Fredrik Barth (1998, p.190), podem ter contrapartidas territoriais. Se um grupo conserva sua identidade quando os membros interagem com outros, isso implica critérios para determinar à pertença e meios para tornar manifestas essa e à exclusão. Além disso, a fronteira étnica canaliza a vida social – ela acarreta de um modo frequente uma organização muito complexada das relações sociais e comportamentais. A identificação de outra pessoa como pertencente a um grupo étnico implica compartilhamento de critérios de avaliação e de julgamento. Logo isso leva à aceitação de que os dois estão fundamentalmente jogando o mesmo jogo, e que isto significa que existe entre eles um determinado potencial de diversificação e de expansão de seus relacionamentos sociais que pode recobrir de forma eventual todos os setores e campos diferentes. Isso torna possível a compreensão de uma manutenção de fronteiras, através da qual as unidades e os limites culturais persistem.
 
Situações de contato social entre pessoas de culturas distintas também estão implicadas na manutenção da baliza étnica; grupos étnicos persistem como unidades significativas apenas se implicarem marcadas diferenças no comportamento, isto é, disparidades culturais persistentes. A ideia de que o grupo étnico é definido através de suas relações com outros, realçado através do limiar, e o mesmo é um produto que pode ter importância variável e mudar através do tempo. As culturas de um grupo, assim como as formas de organização social, podem transmutar-se sem remover a fronteira étnica. Em alguns casos, grupos podem efetivamente se tornar culturalmente mais similares no momento em que as fronteiras são fortalecidas. De tal maneira, a presença de legiões nos demarcadores imperiais podem muito bem ter permitido um dinamismo econômico e militar entre essas sociedades dos limes orientais. Todo esse desenvolvimento desencadeou uma ordenação de várias etnias com um poder bem centralizado.
           
O próprio entendimento de “Oriente” deve ser contextualizado, pois, é uma criação artificial e imaginária eurocentrista, embora sua apropriação no vocabulário histórico tenha uma certa validade para determinar a localização de certas sociedades, necessita de uma aplicação teórica sobre sua construção e uso recorrente. Edward Said (1990, p. 34-35) descreve como o oriental é representado em obras ocidentais, estereotipado como figuras exóticas, inferiores e incapazes. O orientalismo é difundido na maneira como os europeus pensam o Oriente, em um conjunto de categorias e valores baseadas nas necessidades políticas e sociais do Ocidente em relação às realidades orientais. Essa interpretação é de uma riquíssima valha para desconstruirmos diversos preconceitos e paradigmas, assim como um insight sobre a ideia da construção da imagem do outro.
 
 
Helenismo
 
O helenismo necessita passar por um escopo, pois a proposta do trabalho é evitar ao máximo banalizações e generalizações vulgares das culturas analisadas. Graham Shipley (2000, p.1) comenta que no período após as conquistas de Alexandre o termo hellênizô e suas derivações aparecem raramente em documentos, e geralmente com significados limitados. Nenhum autor da Antiguidade refere-se ao Oriente como “tornando-se grego”, o termo moderno parece sugerir, apesar de Plutarco descrever que Alexandre trouxe à civilização para os povos que conquistou. A busca por uma caracterização geral de grego e não-grego tende a presumir uma unificada cultura “oriental”, indo muito em desacordo com a realidade. Poucos, ou quase nenhum, especialista considera que os povos do Antigo Oriente Próximo universalmente adotaram os modos e a língua grega, pois não existem evidências desse ocorrido. Eles preferem retratar uma figura variada de coexistência, interação, e às vezes confronto entre os novos assentados gregos e os povos autóctones (alguns dos quais migraram de outros lugares) e em uma dinâmica, ao invés de um contexto social estático.
 
Há provas de ativas promoções de trocas culturais pelos governantes, mas nenhuma explicação cabe em todos os casos, sendo que cada exemplo tem de ser analisada por seus méritos. As fronteiras definindo o que era grego (como provavelmente um grego iria vê-lo) e não-grego, eram negociáveis, não fixas, e tinham que ser renegociadas com as mudanças sociais.
 
Para Arnaldo Momigliano (1990, p. 10) a era helenística assistiu a um acontecimento intelectual de primeira categoria: a confrontação dos gregos com quatro outras sociedades, três dessas desconhecidas pelos mesmos até então. O mundo helenístico permaneceu grego na língua, nos costumes e sobretudo na consciência de si mesmo. Nos séculos III e II a.C. surgiram correntes de pensamentos que reduziram a distância entre gregos e não-gregos. Esses últimos aproveitaram em grau inédito a oportunidade de dizer aos helenos na língua grega algo sobre a sua própria história e tradições religiosas. Os esforços dos habitantes regionais para serem ouvidos pelos conquistadores era obviamente encorajado pela curiosidade desses sobre os povos locais, correspondendo à situação política. Não era possível uma verificação do que era dito cotidianamente, pois não havia conhecimento do vernáculo daquela parte. A população local era bilíngue, e astutamente faziam ideia do que os indivíduos da Hélade desejam ouvir. Essa atitude recíproca não favorecia a sinceridade e o verdadeiro entendimento. Quando não existia premência, sobejavam a utopia e a idealização; onde ocorria um propósito imediato, prevalecia a propaganda, a adução e as acusações reciprocas.
 
As fontes do Império Parta, em seus aspectos religiosos, políticos, sociais e culturais são limitadas pela natureza e preservação histórica. Os documentos conhecidos foram escritos fora de seu território, na língua dos povos vizinhos. Os trabalhos de literatos gregos e romanos, do qual nós devemos nossos básicos conhecimentos sobre os arsácidas, embora sejam indispensáveis, não merecem muita confiança, porque seus autores nem sempre possuíam informações plausíveis, não compreendiam totalmente as realidades políticas e sociais locais. Entre os cronistas gregos do período helenístico, que escreviam sobre a região da Partia, Políbio tem um lugar especial. Em seu compreensivo trabalho histórico, preservado em fragmentos. Ele demonstra muita atenção à política dos selêucidas, nos intensos contatos e inúmeros conflitos entre os arsácidas e Roma, desde os primeiros séculos da nossa era, já que o Império Romano apresentou certo interesse em seus vizinhos. Isso levou ao um ímpeto mais geográfico do que propriamente histórico.
 
Como já foi dito, essas interpretações dos autores gregos e romanos demandam muita atenção ao serem analisados, à medida que possuem uma demasiada cosmovisão do mundo clássico, e assim como destaca Arnaldo Momigliano (1900, p. 29) Políbio só conseguiu escrever sua história como tal, pois encontrou em Roma uma aristocracia que a compreendesse instintivamente. A base comum foi proporcionada pela infiltração em larga escala de pensamentos e costumes helenísticos em Roma. Os romanos costumavam trazer gregos para escrever sobre história, e mesmo quando os historiadores eram romanos, seguia-se costumes tradicionais da Grécia. Políbio preparou o terreno para outros intelectuais que aceitaram o domínio do império. O objetivo deles não era descobrir as raízes do imperialismo romano, ou sequer persuadir os gregos de que era aceitável. A tarefa era convencer os líderes a se comportarem de forma que não alienasse a maioria dos súditos e consequentemente não colocasse em perigo a posição daqueles provincianos de classe alta que haviam identificado os seus interesses com o domínio imperial. (MOMIGLIANO,1990, p.34).
 
O objetivo do artigo é ir além de uma descrição sobre as sociedades que habitavam os limes orientais do Império Romano, indo ao contrário da usual análise sobre as tribos germânicas. A ideia central é pensar que o processo de ressignificação cultural também ocorreu nessas localidades que há tempos já estavam familiarizados com o helenismo. É importante no ensino de História problematizar as fronteiras culturais e étnicas; trabalhando com a indagação dos esteriótipos, da alteridade, de como as sociedades que estavam na órbita do império subtraiam o estrato simbólico romano em suas mentalidades. A breve análise desses reinos, possibilitaram o destrinchamento das questões étnico-culturais existentes nessa região, demonstrando como essas fronteiras são tangíveis e fluidas, saber ponderar essa problemática em sala da aula, é somar e enriquecer a mediação do ensino de História Antiga nas escolas.
 
Referências
 
Leonardo Candido Batista, Mestre em História Social pela UEL
 
Referências bibliográficas
 
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3 comentários:

  1. Ótimo texto. Gostaria de saber quais são essas pautas identitárias anacrônicas que não devem ser aplicadas ao Mundo Antigo. Pergunto isso porque, ao longo do texto, você mobilizou termos como “estereótipos étnicos, etnia, identidades fluidas e heterogêneas, fronteira étnica, alteridade romana, ressignificação cultural” e eu fiquei na dúvida se essas perspectivam realmente conseguem se distanciar da discussão sobre identidade. Especialmente, se considerarmos que esse campo permite uma discussão mais crítica das fontes, sejam elas exógenas ou endógenas, sobre os grupos étnicos e Estados designados como “orientais”. Além disso, você poderia explanar mais um pouco sobre o que significa “transculturação” ou quais os elementos que identificam, nos casos estudados, essa transculturação? Ela equivale ao “sincretismo cultural”? - Alaide Matias Ribeiro

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  2. Obrigado pela leitura do artigo, Alaide! Sua pergunta é excelente e ajuda e muito o debate sobre o tema, tentarei responder por partes. Anacrônico eu considero trazer debates identitários modernos para a Antiguidade, que podem existir e levar a interpretações errôneas desses conceitos, já que não existiam essas preocupações no Mundo Antigo, sendo problemáticas presentes que muitos tentam arrastar para o passado. Sobre o aparato teórico ressoar anacrônico? Sim, mas depende de sua aplicação. Muitos dos autores que usei, trabalham esse tema de etnicidade também mesclado com nacionalismo, esse último sim, eu considero uma circunstância anacrônica, mas acredito que a fluidez das fronteiras étnicas e sua resinificação fazem parte da sociedade, inclusive das sociedades passadas. Transculturação foi um termo cunhado em 1940 pelo antropólogo cubano Fernando Ortiz, e resumidamente o conceito se baseia em um processo de transição de um cultura para outra (não consistindo meramente em absorver, como no caso da aculturação), desse processo nasce um novo fenômeno. Sincretismo seria uma mistura de ideias e culturas de diferentes lugares, porém eu optei pela terminologia transculturação, pois como supracitado, acredito que é necessário um motor para o surgimento de um novo sistema cultural, caracterizado por condições locais; o termo sincretismo trata todas essas influências como um “blend”, e os influxos ganham qualidades em outras localidades, dando consistência para uma cultura emergir desse processo. É claro que muitos podem usar a expressão sincretismo para essas ocasiões, e eu não vejo problema algum, ainda mais se for abordado dentro de uma sala de aula no ensino básico. O termo “Estado”, como uma entidade política é uma nomenclatura moderna para classificarmos essas instituições no passado, por mais que tentemos passar essa ideia por um escrutínio, com minúcia em optar por tal palavra, a maioria das obras publicadas não abordam questões críticas sobre o uso de questões políticas contemporâneas para realidades tão distintas, utilizando essas terminologias sem se preocupar muito com o deslizamento semântico. Espero ter respondido à medida do possível, obrigado novamente pela leitura!

    Atenciosamente,

    Ms. Leonardo Candido Batista

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    1. Respondeu sim, Leonardo. Obrigada! - Alaide Matias Ribeiro

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