Rannyelle Rocha Teixeira

O FALAR DA MENSAGEM: UM PASSEIO SOBRE O ESPAÇO LITERÁRIO AFRICANO PARA O ENSINO DE HISTÓRIA

Rannyelle Rocha Teixeira


O presente artigo faz uma análise sobre o espaço literário africano na revista Mensagem, como um espaço para o ensino de história. Demostrarei os aspectos que garantem considerar a revista literária como um lugar de memória e de reconstrução de identidades. Apresentarei os resultados de uma experiência educacional realizada através dos contos e poemas contidos na revista com os alunos do 6° período da Graduação no curso de História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Essa atividade me permitiu discutir o conceito de espaço literário e direcionar os alunos para a perspectiva de uma história escrita pelos africanos, encontrando na revista Mensagem um local privilegiado para esse tipo de abordagem inovadora.
 
Introdução
           
Pensar no ensino de história e em suas dimensões para debater práticas educacionais voltadas ao ensino de história da África ainda segue sendo um grande desafio para os professores e professoras seja do ensino básico ou superior. É preciso que o docente esteja atento não somente a historiografia escolhida para se utilizar em sala de aula, mas também procurar ter a sensibilidade de dialogar com os alunos e alunas a construção da consciência históricas em que os sujeitos africanos estavam inseridos.
 
Deve-se levar em consideração que o artigo proposto passa pela experiência em sala de aula realizadas nos alunos do 6° período do curso de história pela Universidade Federal do Rio Grande Norte- UFRN. Os alunos têm idade entre 19 e 24 anos. Os textos da disciplina de História da África foram cuidadosamente escolhidos levando em consideração as Leis 10639/03 e 11645/08 e a construção de ações afirmativas. Enfatizando sobre a importância dessas leis nos estabelecimentos de ensino fundamental, médio ou superior, públicos ou privados, que torna obrigatória o ensino de “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena” na educação do Brasil é hoje o principal instrumento de luta contra o racismo dentro do campo educacional.
 
Os poemas e contos da revista Mensagem serviram de foco principal para pensar em uma história escrita por mãos negras, pelo olhar do negro e fazer deles protagonistas de suas próprias histórias. Sendo a revista Mensagem pensada pelos intelectuais africanos das colônias portuguesas em África por volta de 1950, inscrita no campo literário e, sobretudo defensora da poesia como instrumento de análise e de crítica a respeito do cenário da época, propondo-se a cumprir uma função social de manter uma postura progressiva. Seus colaboradores eram escritores importantes da literatura angolana tais como: Viriato da Cruz, António Jacinto, Maria Joana Couto da Silva, entre outros. Esse conjunto de intelectuais, anos mais tarde, seriam consagrados como os grandes ícones do cenário cultural africano.
 
Dessa forma, o presente artigo tem por objetivos analisar como as construções das novas narrativas literárias africanas contribuem para a quebra da visão de uma história única, identificar como a revista Mensagem utiliza-se dos contos, dos poemas e das poesias para a construção de espaços literários para novos atores sociais, no caso o povo africano, assim como, pretende deslocar o olhar do leitor em direção as poemas e contos contidos na revista Mensagem analisando-os como um lugar de memória, de reivindicação, de reestruturação de identidades e como todo potencial literário serve para ensinar história a partir dos conteúdos vivenciados pela literatura. Serão analisados dois contos da revista Ano 2, Números 2/4, outubro de 1952, Luanda, sendo eles: Namoro, escrito pelo autor Viriato da Cruz, A vênus negra da poetisa Maria Joana Couto da Silva.
           
A “mensagem” na Mensagem
 
A revista Mensagem foi um órgão mensal da Casa dos Estudantes do Império de periodicidade trimestral, possuía em torno de 15 páginas era impressa em Lisboa, pois em Angola as condições ainda eram deficitárias por questões tipográficas. Também era a porta-voz do Movimento dos Novos Intelectuais de Angola (MNIA) que foi um movimento de caráter multicultural que teria como lema o grito “Vamos Descobrir Angola!”. O material publicado era um denunciante por parte dos seus colaboradores. Segundo Ramos (2017), a revista foi lançada em 1951 e seu último número foi publicado em 1952, partindo do objetivo de se construir a “Nova Cultura de Angola”. Seria, a revista, a porta-voz das aspirações, dos anseios e dos desejos que partiam dos angolanos, pois esse poder simbólico estava inserido no corpo intelectual da revista.
 
Os poucos anos de publicação da revista se justifica pela forte repressão de censura imposta pelo Estado Novo que foi um regime autoritário e antiparlamentarista implementado em Portugal entre 1933 - 1974 por António Salazar, período chamado de salazarismo.
 
A revista Mensagem, propunha-se a realizar uma compilação das tradições culturais africanas, além da busca por uma identidade e ancestralidade que se daria por diversas vias de representações. Tinha também a pretensão de abrir novos caminhos dentro de movimento de conotação literária para exaltar o sentimento do povo negro. Portanto, será por meio das análises dessas poesias que o corpo negro se apresenta como resistente ao domínio branco. A atuação do homem negro por meio dos versos pode ser lida como e, por consequência, da formulação, assim como, a demarcação dos espaços angolanos nos quais estariam em evidência toda a retomada cultural angolana e a valorização de seu povo.
 
A postura literária presente nos intelectuais e na política passou a ganhar contornos importantes no contexto de independência dos países africanos. As lutas em prol da liberdade foram criadas por um grupo de negros assimilados, ganhava notoriedade aqueles africanos que tinham algum destaque social quer pela formação educacional, quer pela família de prestígio que tinham ou pela conscientização e engajamento nas lutas anti-imperialista.
 
A poesia angolana é repleta de significados e é por meio dela que visualizamos o cotidiano das pessoas que lá estavam. Nessa literatura de resistência passamos a conhecer um contexto histórico que evidencia a luta de um povo por espaços negados. Uma literatura que enaltece uma história de luta à dominação imposta pelos portugueses, entre outras, da palavra contra o esquecimento.
 
O espaço literário na Mensagem
 
A ampliação do conceito de espaço literário traz implícito para o contexto dos intelectuais africanos a noção da existência de uma elite. O autor Brandão (2001) destaca a necessidade de se atentar para a ideia de que esses espaços ocorrem intimamente vinculados a seus determinados espaços físicos, geográficos e identitários. O espaço literário identificado na revista Mensagem está relacionado também as funções das dimensões sensoriais que a linguagem pode explorar. Em um determinado texto que versa sobre a poesia africana de combate, por exemplo, expõe por meio das palavras características de cunho nacionalista, liberdade, resistência, guerrilha, povo armado. Todos esses conceitos trabalhados pela Mensagem partem justamente da ideia de como a linguagem literária pode atuar no sentido de uma ação e consciência para uma luta que estimule todo um povo em prol de sua independência, do seu espaço.
 
Para Blanchot (2011), o que está em jogo na literatura é a autonomia da palavra para manifestar o que ultrapassa a nossa compreensão e o que não pode ser reduzido à expressão subjetiva do autor. A literatura não era simples comunicação ou expressão de uma subjetividade, mas a forma que restava aos homens para falar do que não podiam compreender, do que não podia ser expressado pela linguagem do dia-a-dia. Ao mesmo tempo em que serviu de antídoto contra as tendências subjetivistas, populistas e naturalistas, seu pensamento abriu caminhos insuspeitados ao estabelecer uma nova concepção da literatura. O que Blanchot tentava mostrar era a força da palavra literária ao escapar das convenções e das leis da linguagem cotidiana. O ato da escrita é uma entrega do escritor a uma afirmação. Ou seja, o escritor está entregue, não dispondo, contraditoriamente, de autoridade sobre o que escreve. Não se trata aqui de um tipo de escrita cuja origem seria a vontade consciente de um escritor que sabe se utilizar de tal ou qual forma literária premeditada.
 
A revista traz em sus páginas ilustrações, caricaturas, vinhetas, retratos que despertam interesse de conteúdo sociais que abordam em sua parte textual. A sua estrutura organizacional está nos poemas, contos, seções fixas, por exemplo, panorama, iniciações e questões de linguística Bantu e intercâmbio. As temáticas giram em torno do processo de urbanização de Luanda, questões sociais, raciais, de gênero, da colonização, da relação de poder, entre outros.
 
É necessário frisar que o material, como um todo, incitava reflexões não apenas para um viés literário e cultural, mas também sobre a realidade social de Angola. Isso a tornou alvo da censura oficial e do aparato de vigilância. Todos os aspectos da revista indicam uma recolocação do lugar do negro e de suas representações por meio de uma perspectiva crítica. 
 
A exemplo dessas novas narrativas que passaram a ser construídas pelos próprios africanos, a literatura africana precisamente do final do século XX tem se revelado de forma significativa sobre o processo de independência nacional naquele país. A geração dos intelectuais escritores da década de 50 concentraram suas temáticas no plano da crítica conduzida pelo olhar sensível as causas coloniais, políticas, sociais e econômicas, como também, as elites de poder, procurando deixar de lado a herança do tardio colonialismo europeu. Os intelectuais escritores desse país testemunharam uma viragem histórica participando direta ou indiretamente do processo revolucionário.
 
Dessa forma, é de suma importância conhecer em que contexto histórico se desenvolveu a revista Mensagem. Entre os anos de 1950 – 1960 se forma uma historiografia sobre a África feita exclusivamente pelos africanos. E foi por meio do espaço literário que o eco se faz presente com as primeiras lutas de libertação nacional na África.
 
Mediante esses passos dados ao longo de décadas, os africanos tornaram-se sujeito de sua própria história, de sua própria fala e de seu próprio território. Apesar de ainda estar longe do ideal, ainda é preciso dedicar espaços para que esses povos contêm sua própria história e não apenas àquelas baseadas em uma história única. Inserir o aluno em uma realidade diferente da sua acaba por desvendar questões do passado ao passo que promove o desenvolvimento da imaginação e da curiosidade. A turma está participando das aulas no modelo de ensino remoto por causa da pandemia da Covid-19. Vale ressaltar que toda a atividade foi desenvolvida em sala de aula, mesmo de forma remota, os alunos conseguiram acompanhar e interagir. A aula expositiva está organizada em três momentos. O primeiro momento será discutido a forma de como as novas narrativas literárias idealizadas pelos próprios africanos contribuem para romper com as narrativas heterogêneas que consolidam a versão de uma história única. Para o segundo momento será apresentada a revista Mensagem como fonte de análise de contos, poemas e poesias evidenciando como a literatura passa a ser escrita a partir de suas experiências por seus colaboradores sensibilizando novas formas de olhar a realidade e o passado histórico africano. Para conclusão da aula, serão analisados os contos, poemas e poesias que servem para a construção de espaços literários para novos atores sociais, no caso o povo africano.
 
Ao debater com os alunos sobre o período colonial africano, nesse contexto, consistia-se em construir uma história que pudesse atender a luta ideológica e política contra o colonialismo. A década de 1950 é um período inflexão do pensamento africano, uma vez que foi no Centro de Estudos Africanos em Lisboa que as reflexões acerca do cultural ganhavam contornos para combater o processo de assimilação cultural empreendido pelo colonialismo português.
 
Os intelectuais africanos se mostravam sensíveis as condições adversas em que África portuguesa estava submetida. Sua postura política, intelectual encontrava-se comprometida para uma solução das adversidades e, sobretudo em direcionar a luta pela independênciaSendo assim, todas as gerações literárias angolanas, inclusive a de 1950, representam a elite cultural moderna, sendo também constituídas por categorias de indivíduos detentores de uma capacidade intelectual, tendo adquirido ou não de um sistema formal de ensino, mesmo assim poderiam exercer uma certa influência no presente ou no futuro da sociedade a que pertencem.
 
Outro ponto que deve ser levando em consideração fala sobre a luta contra o colonialismo, dos avanços da Négritude pelo mundo, e da continuação da esperança em prol da mudança de uma realidade. Esses elementos contribuíram para a reflexão sobre os poemas de denúncias acerca do referido sistema, que vai mais além de referências que vão desde a simples saudade de sua terra até questões mais marcadas na alma, como a desagregação, a cor da pele, a diáspora e a consequência relação da não identidade em relação ao Outro.
 
Dessa forma, a literatura produzida pelos próprios africanos, baseada na libertação contra o colonialismo, o abuso de poder, até o uso intenso da História Oral para o embasamento das pesquisas, o fato é que uma intensa luta estava sendo travada para a construção de uma identidade própria, sem deixar de lado a experiência vivida, sentida de um passado assombroso.
 
A revista Mensagem - construção de espaços literários para novos atores sociais, no caso o povo africano.
 
No conto, Namoro, de Viriato da Cruz ganha destaque o enaltecimento de um amor por uma mulher. Seu corpo é descrito dentro dos versos evidenciando um corpo intocável, doce, desejado, que dentro dos seus detalhes o autor se fixa em valorizar o corpo da mulher negra que tanto era objetivado e sexualizado pelo homem branco. A cena poética evidenciada por Viriato da Cruz traz também os elementos da flora angolana e os aproxima da vivência na esfera social, como também descreve pontos exóticos pertencentes à geografia angolana. “Namoro” reuni atributos da cultura popular angolana como a dança, a religião fazendo com esses elementos se complementem de forma natural ao contexto social da época.
 
“Andei barbado, sujo e descalço, como um mona-ngama (...) Para me distrair levaram-me ao baile do sô Januário mas ela lá estava num canto a rir contando o meu caso às moças mais lindas do Bairro Operário Tocaram uma rumba – dansei com ela e num passo maluco voámos na sala qual uma estrela riscando o céu” (CRUZ, 1952. 7)
 
O trecho aqui apresentado fornece um caminho em que cada singularidade angolana é celebrada e que por meio da escrita literária que o imaginário de uma nação passa a ser concretizado. A questão do retorno a sua ancestralidade para se reconstruir uma espiritualidade do passado, faz parte de uma poética em que se afirma o social e o cultural.
 
A Vênus Negra de autoria da Maria Joana Couto da Silva indica uma temática que funcionaria como uma afirmação da identidade angolana sentida pela literatura colonial. Esse poema remete a representação das geografias físicas e humanas de Angola que se faz justamente pela simbiose da natureza com as imagens das mulheres negras. Podemos identificar em muitos poemas essa junção da relação da natureza com o homem. Ou seja, esse corpo que faz parte de um todo como consequência dele não apenas como um fragmento, mas como uma integração no ambiente em que está inserido.
 
Maria Joana Couto da Silva ao realizar essa aproximação do corpo da mulher negra com a natureza concede a ela um lugar de fala. Assim, amarraria a mulher negra ao mundo do sentimento, do simbólico. A essência da natureza viria a se colocar como elementos primordiais mais expressivos do mundo negro. Essa condição pode ser vista como um atributo a mulher negra, chegado a funcionar como meio de transmissão de sua cultura.
 
Conclusão
 
É preciso compreender a importância ao se analisar como as construções das novas narrativas literárias africanas contribuem para a quebra da visão de uma história única e foi exatamente isso que os intelectuais da década de 50 fizeram tanto aqueles que permaneceram em território africano como aqueles que estavam na diáspora.
 
Falar sobre suas realidades, seus povos, suas culturas e identidades quebra a visão de uma única história até então contada. Dessa vez, os próprios africanos passam a ser protagonistas de suas histórias e contribuem para que seu passado permaneça vivo no presente refletindo em um futuro mais consciente de suas histórias.
 
Essa literatura enfatiza a necessidade de produzir novos textos que afronte os primeiros (no caso as escritas dos colonizadores sobre o colonialismo) e que muitas vezes os neguem. Assim, esses intelectuais propõem em suas narrativas literárias a liberdade ao evidenciar a mais pura realidade sobre o cotidiano dos sujeitos africanos e que é preciso ocupar os espaços propondo novas narrativas e novos olhares.

Trabalhar essa temática em sala de aula é essencial para a formação sólida e consciente da comunidade escolar. Esse é um espaço privilegiado em que a troca de conhecimento e a formação crítica dos alunos são estimulados. A literatura oferece possibilidades de debate interdisciplinar potencializando essa dinâmica de aprendizado para o ensino de história. Além de trabalhar o conteúdo escolar, a atividade também possibilitou que os participantes pudessem conhecer as realidades cotidianas de alguns africanos relatados por eles mesmos.
 
Referências biográficas

Rannyelle Rocha Teixeira, doutoranda em história pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN
 
Referências Bibliográficas

BLANCHOT, Maurice. O espaço literário. Rio de Janeiro: Rocco, 2011;
BRANDÃO, Luís Alberto. Sujeito, tempo e espaço ficcionais. São Paulo: Martins Fontes, 2001;
 
RAMOS, Karina. “A angolanidade literária nas páginas da revista Mensagem (1951-1952)”. TRANSVERSOS: Revista de História. Rio de Janeiro, n. 10, ago. 2017.

3 comentários:

  1. Ótimo texto, Rannyelle. Muito interessante conhecer essa literatura africana contemporânea. A minha questão é: se a revista "Mensagem" era impressa em Lisboa, como podemos pensar a divulgação dessa produção literária na própria Angola? Ela era impressa em Lisboa e distribuída ou vendida em Angola? Isto é, quais eram os meios de disseminação utilizados em África? - Alaide Matias Ribeiro

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  2. Bom dia, Alaíde! Obrigada pela sua leitura. Gostei muito da sua pergunta. Durante 1950 não havia tipografias em Luanda - Angola por isso a revista foi impressa em Lisboa sob vigilância da censura (Regime salazarista da época) a revista era distribuída e divulgada entre os intelectuais pertencentes a uma elite até porque havia um elevado grau de analfabetismo em Luanda. Sobre o processo de disseminação em África de forma geral não posso te responder até porque o continente africano é imenso e diverso, mas em Angola esse processo de disseminação era feito pela literatura, pela arte, pela cultura. Rannyelle Rocha Teixeira

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    1. Compreendo. Muito obrigada. - Alaide Matias Ribeiro

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