REFLEXO NARCISISTA EM
UMA “ILUSTRAÇÃO” DOS “PRIMEIROS PERÍODOS DA HISTÓRIA DE NOSSO PLANETA” AOS
“PRIMEIROS HOMENS MODERNOS”
Fabrício José Pimenta
de Araújo
Nesse
trabalho pretendemos analisar a ilustração da evolução contido no livro
didático “ESTUDAR HISTÓRIA: DAS ORIGENS DO HOMEM À ERA DIGITAL”. De
autoria da professora Patrícia Ramos Braick, confeccionado pela editora
Moderna, no ano de 2011. Ele foi adotado no Plano Nacional do Livro Didático
(PNLD) do 6º (sexto) ano do ensino fundamental rede pública de ensino
do município de Soledade, PB. O objetivo é identificar a presença do racismo
como elemento estrutural nessa publicação.
Para tal
dividiremos o texto em três partes: na primeira discutiremos um pouco das
questões sociais relacionadas à publicações dos livros didáticos dos últimos
vinte anos. Na segunda, faremos uma breve discussão sobre o mito de Narciso e
na última analisaremos a ilustração em questão.
Como nos
diz Ferro (1983, p. 11), “controlar o passado ajuda a dominar o presente, a
legitimar tanto as dominações como as rebeldias”, ou seja, existem interesses
das elites em manipular o ensino da história, através de uma leitura de um
passado uniforme que glorifique seus desentendes e legitime o seu lugar de
poder. Dessa forma, a finalidade do ensino de história seria menos a de educar
os estudantes e mais de exaltar os seus heróis, os seus fundadores da nação, os
eventos que marcam o que são eleitos como importantes de ser lembrados, os
períodos e as datas do início do que é considerado civilização, estado,
progresso, entre outros conceitos-chaves usados para reafirmar o ponto de vista
das elites. Por esse ângulo, a história reveste-se de um caráter institucional,
na qual indica-se para um passado asséptico, com os conflitos e eventos
solucionados pelos personagens escolhidos como merecedores e dignos de não
serem esquecidos.
Mathias
(2011) também indica essa tendência aqui no Brasil desde a fundação da história
como disciplina no século XIX no Colégio D. Pedro II. A partir desse momento,
observa-se a necessidade do Estado em se legitimar através da história, fazendo
dessa disciplina um aparelho de exaltação aos seus símbolos, aos seus
personagens, aos fatos ‘importantes’ e ao que fosse considerado louvável para o
reconhecimento do país como uma nação soberana.
Para o
autor, a partir dos anos de 1990, inicia-se no Brasil um nova fase política.
Com a redemocratização e a elaboração de uma nova constituição, com a entrada
de novos atores no cenário e a emergência de novas demandas sociais, as teorias
marxistas que alimentou os movimentos de contestação à ditadura militar até a
década dos 1980, foram perdendo força até ceder o lugar para uma nova lógica
que o experimentaremos a partir da eleição de Fernando Collor de Mello, à
presidência da República nos anos de 1990, mas que se consolida de fato, com a
vitória de Fernando Henrique Cardoso em 1994.
Mathias
(2011, p. 47) aponta que a emergência do neoliberalismo acarretou novos
objetivos que exigiram reformas do Estado e na educação para acomoda-los. A lei
9.394, de 1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(LDB), seria um exemplo de parte desses novos arranjos trazidos por esses novos
temas.
Por outro
lado, o autor percebeu com a implementação da LDB, o Estado reconheceu, ao
menos em tese, a necessidade de inclusão nos currículos e nos livros didáticos
de história temáticas inexistentes, tais como: cotidiano, família, sexualidade,
gênero, valorização da diversidade étnica, da multiplicidade cultural, entre
outros. Mathias (2011, p. 47) indica ao que se convencionou chamar de “nova
história” francesa como principal arcabouço teórico que estruturará não apenas
a confecção dos livros didáticos, como também será a principal lida nos
seminários, simpósios, encontros e colóquios de história.
Boa parte
dessas diretrizes, segundo o autor, advinham do Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID) e do Banco Mundial (BM). A ideia não era nova, mas
precisava ser implementada no Brasil. Caso queira se desenvolver, deveria
buscar metas de qualidade a serem cumpridas que eram urgentes. Destaque para os
superávit primário, saldo positivo na
balança comercial, privatizações das estatais de interesse do mercado, isto no
campo econômico. Já na educação, houve uma tendência de homogeneização do
currículo frente ao que se chamou de “sociedade globalizada”. Como dito
anteriormente, a LDB é uma tentativa de se adequar a esses novos padrões
curriculares impostos por esses agentes econômicos.
Toledo (2016, p. 337) assinala que historiografia
didática brasileira abraça a tese ganhadora do concurso sobre “como escrever a
história do Brasil?”, pormovido pelo o Instituto Histórico Geográfico
Brasileiro (IHGB) em 1845. O vencedor, o naturalista alemão Karl Friedrich
Philip von Martius, porpôs em sua a monografia, que a história do Brasil
deveria ser estruturada a partir de três elementos: os índios, os europeus e os
africanos.
Para a autora, daquele concurso em diante, a via
teórico-medotológica por onde circulariam os compêndios e os livros didáticos estava construída. Nela os
autores mudavam o cenário e os personagens, mas o roteiro era quase o mesmo:
índios e europeus ganharam traços positivos como bravura e coragem, enquantos
os africanos são percebidos como uma peça da engrenagem que movia todo o
maquinário colonial. Mesmo que se busque aspectos etnográficos dos africanos,
eles são entendidos como mercadorias, um instrumento de trabalho, da qual é
negada a sua condição humana.
A prioridade era os “autores nacionais”. Toledo (2017, p.
342) menciona o livro “Lições de história
do Brasil para o uso dos alunos do Imperial Colégio de Pedro II” escrito em
1860, por Joaquim Manuel de Macedo. Nesse contexto de de busca por autores
brasileiros em contrapaosição aos estrangeiros, ele teve grande aceitação e
serviu para outros “escritos por nacionais” trilhassem pelos mesmos caminhos: a
organização dos textos em “lições, a exposição da matéria e a síntese de cada
lição num quadro sinótico.”
Por fim, Kátia Abud (1998, p 106) questiona o papel dos
africanos nos livros didáticos. Assim como Toledo (2017) a autora também
percebe que os africanos ganha aspecto de mercadoria, passível de ser vendida,
comprada, trocada, alugada ou dada. Para a autora “os livros didáticos salientavam a importância do
africano para a vida econômica do país” (ABUD, 1998, p
106). Ademais, ainda partiam de
uma ideia equivocada de que a miscigenação acabaria por embranquecer a
população negra. Isso levou a erros sobre a composição racial da população
brasileira. Esse não reconhecimento da importância dessa população na
constituição do “caráter nacional” era reproduzido nos livros didáticos.
Portanto, esses livros tem
por finalidade satisfazer o pensamento das elites para o tema da formação do
povo brasileiro. Para autora, os livros didáticos da Era Vargas, entendiam as
religiões africanas como superstições, um verdadeiro obstáculo para a unidade
nacional, que diga-se de passagem, era católica. Assim, de um lado são traçadas
estratégias de esquecimento da religiões de matrizes africanas nos livros desse
período e do outro é a catequese quem ganha destaque no processo civilizador no
Brasil.
Assim, um nexo de dualidade
vai se estabelecendo, a Europa é vista como portadora do progresso versus a África como o lugar do exótico
e da barbárie. Desse modo, os livros didáticos vão seguindo com as Reformas da
Educação, mas mantendo essa lógica implícita: os índios eram romantizados como
um herói desaparecidos ou corrompidos pelo branco; os bandeirantes garantiram a
expansão do território nacional e os africanos escravizados eram apenas
mercadorias.
Como as
pessoas são em mercadorias. Então bastaria seguir essa lógica, para entendermos
o seu tratamento textual e simbólico não merece uma atenção especial. Basta a
construção de imagens e textos convenientes para se montar o quadro que se
deseja. Aparentemente não são muitas as exigências com a verossimilhança na
reconstrução dos selecionados fatos históricos. Ao menos no que se refere a
essa ilustração (Braick, 2011, p.
32-33) em debate, esse livro didático, Braick (2011), atende aos
interesses além dos projetos pedagógicos.como veremos adiante.
De ante
mão, deixando claro, não analisaremos a poesia, o teatro ou as manifestações
artísticas da antiga Grécia. Usaremos o mito de narciso apenas como uma
metáfora no tratamento de uma ilustração que representaria o processo
evolutivo, embora autora (Braick,
2011, p. 32-33) sequer tenha mencionado esse termo nessa publicação,
mas, em nosso entender, não compre com seus objetivos didáticos.
Segundo
Braick (2011, p. 160) “A poesia era muito importante para os gregos. (...) Os
principais temas das poesias eram os mitos (...) A poesia era recitada tanto em
público, nas festividades, quanto nas reuniões privadas. (...) No século V
a.C., o teatro era considerado a principal forma de poesia. (...) Havia dois
tipos de espetáculos teatrais: a tragédia e a comédia.” Em geral, na tragédia,
as peças tinham a mitologia seu principal tema. Na comédia, os temas estavam
mais relacionados aos políticos e a vida privada.
Os poetas
(aedo) de língua grega iam de cidade (polis) em cidade declamando seus versos.
Neles os cidadãos escutavam sobre os seus deuses, sobre as suas origens, sobre o que hoje chiaríamos de cosmogonia.
Mas não apenas isso, as poesias também narravam histórias de guerras, dos
governantes. Por esse olhar, os poetas transmitiam não apenas seus versos, mas
também informações do cotidiano do mundo da Grécia antiga. A titanomaquia, os
acordos que Zeus fez com os ciclopes e outros para conseguir realizar suas
finalidades, as tramas que envolviam sentimentos tão humanos quanto os nossos,
tudo isso era transmitido oralmente por esses poetas.
Antes de
tudo esse herói nos fala de si mesmo, do amor exagerado de si próprio,
conta-nos a história do que hoje chamaríamos de uma pessoa individualista mo ou
egoísmo. Ele não é a representação de ações voltadas para o coletivo. Ao ponto
de rejeitar as interações com os outros. Isso porque ele, de tão convencido de
sua própria beleza, relega para a indiferença qualquer tentativa de
aproximação.
Segundo
Carvalho (2010), Ovídio atribui à origem desse herói, da relação do deus-rio
Cefiso com a ninfa dos rios e das fontes, Liríope. Como era de costume, o
áugure Tirésias foi consultado para prever o destino daquele recém-nascido,
“viveria até a senectude, o vate fatídico falou: “Se não se conhecer””
(Carvalho, 2010, p. 350).
Sem se
dar conta daquelas palavras misteriosas, o jovem Narciso cresceu, Tornou-se um
soberbo rapaz. Sua beleza despertava o interesse de muitos que queriam se
aproximar daquele lindo jovem. Mas ele renegava as tentativa de aproximação.
Amínias foi quem se tornou íntimo e teve seu destino marcado pelo o suicídio
cometido pela a própria espada dada por Narciso para este provar o seu amor.
Provou da forma mais trágica, não antes sem mal praguejar, o responsável por
toda aquela dor.
Ainda
seguindo o caminho do Dicionário Etimológico da Mitologia Grega multilingue On
Line (2022), a dor causada por Narciso não passaria despercebida. Eros, deus do
amor, condenou-o a apaixonar-se por si mesmo. Em Téspias, na Boécia, Narciso
morreu. Nesse lugar nasceu uma flor que recebeu o seu nome.
KURY (2009,
p. 1330-1333) além dessa, oferece-nos outras duas versões. Em todas, o início é
o mesmo: o deus Cefiso
tem uma criança com a ninfa Liríope. Os pais foram consultar o adivinho
Tirésias que disse “teria uma vida longa se não visse sua própria face.” (KURY, 2009, p. 1330).
Mas nessa
versão, ao invés de Amínias
ser a grande paixão de Narciso, agora veremos a ninfa dos boques e das fonte
Eco, apaixonar-se por esse indiferente e belo jovem. Resignada por não ser
correspondida, refugiou-se no deserto e “definhou até que somente restaram dela
os gemidos”, (KURY, 2009, p. 1331).
As ninfas rogaram aos deuses que repreendesse aquele petulante rapaz.
Nêmeses, deusa do destino e da vingança divina, afeitou-se com o pedido e
“induziu Narciso, depois de uma caçada num dia muito quente, a debruçar-se numa
fonte para beber água.” (KURY, 2009,
p. 1331). Ao fazer isso o jovem apaixona-se por si mesmo e não consegue mais
sair dali. Imóvel e compenetrado por sua própria beleza, Narciso morre.
Novamente uma flor nasce nesse lugar e também recebe o seu nome.
Esse mito
serviu para a inspiração nas artes plásticas, para a música, o teatro e outras
manifestações. Ele nos interessa porque representa a imagem de si, seja da
autora, seja da editora, refletida no gráfico, que discutiremos a seguir.
Fonte:
BRAICK, Patrícia Ramos. Estudar História:
das origens do homem à era digital. Ed. Moderna. 1. Ed. São Paulo. 2011. p.
32-33. (reprodução fotográfica)
Para nossa
análise usaremos a noção de semiótica adotada por Cardoso; Maud (1997). Nessa
consideração, os autores partem do conceito ícone como “signo que se refere ao
Objeto que denota simplesmente por força de caracteres próprios (...) que ele
possuiria” (Cardoso; Maud, 1997, p. 403). Em nosso caso o objeto é a ilustração
acima e o signo é o conjunto de imagens que a compõe. De acordo com Cardoso;
Maud (1997, p. 403), todo signo faz referência ao objeto, por possuir traços em
comum, ambos intercalam-se para compor metáforas, imagens, diagramas, no caso
específico, uma ilustração.
Segundo a
professora Braick (2011, p. 32-33) essa ilustração é de autoria de Jill Bailey e Tony Seddon. Encontra-se no livro “Prehistoric World”, editado na cidade
de Oxford, pela a editora da universidade de Oxford, no ano de 1994, página 41.
Pesquisamos, mas não dispomos de outras informações além dessas.
Mesmo
assim, com esses vestígios dá ao menos para saber onde foi produzido, na cidade
de Oxford, Inglaterra. Portanto, trata-se de um país europeu. Arriscaria dizer
que os autores também são ingleses, mas não farei isso baseado apenas em seus
nomes. Existem centenas Jill Baileys e Tony Seddons na internet, dificílimo
depurar quem seriam as(os) autoras(es) nessa profusão. Então, fiquemos apenas
com essas informações para irmos adiante.
Os livros
didáticos utilizam-se de imagens, seja fotografias, seja diagramas, seja
ilustrações, para em tese, facilitar o processo de aprendizagem das(os)
alunas(os). Cardoso; Maud (1997, p. 403), indica que as imagens, ou seja, os
signos icônicos, encontram facilidade no diálogo imediato, uma percepção
instantânea é estabelecida na comunicação visual. Esse imediatismo justificaria
o uso de recursos icônicos com propósitos didáticos.
O problema
é quando as imagens, gráficos ou ilustrações comunicam algo distorcido, quando
elas reforçam preconceitos ou quando anunciam mais os ideais de quem as
produziu do que informações necessárias para se obter conhecimento. Deixando
claro que o artigo de Cardoso; Maud (1997), refere-se especificamente a
fotografia e ao cinema. Porém, o estudo da semiótica abrange qualquer tipo de
comunicação, verbal e não-verbal.
Para
Cardoso; Maud (1997), a relação do ícone com o objeto sempre é incompleta.
Sozinho o ícone não tem força, ele precisa de outros ícones menores para compor
uma imagem. Peguemos a ilustração (Braick, 2011, p. 32-33) como exemplo.
Para formar sua ilustração, os autores ou os editores, ou até mesmo os trabalhadores
dessas editoras, criaram um espiral para simbolizar os recortes temporais, com
desenhos que representariam a evolução das espécies de acordo com esses
recortes. Assim o objeto, a ilustração do processo evolutivo, embora não seja
dito, é composto por diversos signos que nos remete à evolução das espécies.
Para criar
o efeito de realidade, Cardoso; Maud (1997, p. 404), adverte-nos que os autores
recorrem a ilusão referencial. Trata-se de um conjunto de procedimentos
voltados para criar o efeito de realidade. Esses procedimentos asseguram a
construção de uma imagem visual, ou seja, uma unidade de manifestação
autossuficiente, mesmo que passível de análise.
Cardoso,
Maud (1997, p. 404) indica sua análise está alicerçada na semiótica Planar.
Dito com outras palavras, é a análise de imagens bidimensionais, que cabem em
um plano. É a nossa folha, com a suas duas dimensões: a largura e o
comprimento. Nesse espaço é impossível enxergar diretamente objetos em três
dimensões. Os autores falam que os “significantes bidimensionais inseridos em
um plano” (Cardoso, Maud, 1997, p. 404), são culturalmente determinados.
Nessa
lógica, os textos e imagens de natureza icônica, trazem as propriedades
culturais que lhe são atribuídas. Essas propriedades são os códigos de
reconhecimento, são os traços e as características de seu tempo, de seu local e
de quem produziu. Essas características são os critérios gráficos que
correspondem ao conteúdo enunciado. Os critérios gráficos tentam reproduzir
nossas estruturas mentais através de esquemas gráficos de reconhecimentos.
Nossa ilustração (Braick, 2011, p. 32-33), assim como qualquer outra imagem,
seguindo a trilha de Cardoso, Maud (1997, p. 406), está fincado nos códigos de
convecção social. Como ele não é exógeno, remete a formas de ser e agir se seu
contexto social. Como já sabemos, a ilustração foi confeccionada na cidade de
Oxford, por mais insignificante que isso aparente, ainda sim é uma pista de
seus produtores. Com ela podemos encontrar dizer algo que nos diga porque essa
ilustração foi feita desse modo e não de outro.
Como toda ilustração, seu intuito é expressar informações.
Essas informações dão elementos dos aspectos da vida social, não apenas das
pessoas envolvidas em sua produção, mas também da sociedade em que vivem.
Então,
observando a ilustração (Braick, 2011, p. 32-33), notaremos que informa sobre o
processo evolutivo. Esse é o primeiro e o mais óbvio dos ponto a ser observado.
Mas tentaremos ir adiante. Existem vinte e seis signos, vinte e sete se
contarmos com a espiral que marca os recortes temporais. Para efeito de
esclarecimento, nossa análise excluiu o espiral como signo por não está dentro
do padrão enumerado que representaria a evolução da vida. Mas cabe ressaltar
que ele surge de pontos brancos em um fundo de tonalidade escura. Supomos
representar a explosão cósmica denominada Big Bang.
Não é
objeto de estudo ou discussão nesse texto tratar cientificamente o que vem a
ser o Big Bang, mas a nível de informação. É uma teoria da astrofísica que
preconiza o surgimento do universo, e, naturalmente, tudo que existe nele, a
partir de uma grande explosão ocorrida há 13,8 bilhões de anos atrás. Talvez
por questões religiosas, talvez por motivos pessoais, talvez nunca saberemos,
mas fato é Braick (2011, p. 32-43) em todo capítulo três, “O ser humano em busca de suas origens”, não menciona o termo Big
Bang ou a tal explosão cósmica. Talvez, para seguir essa lógica do início ser
uma explosão, o espiral de recorte temporal começa na cor laranja, quente, e
acaba na cor verde, fria.
Cada um dos
signos, em sua devida ordem, simulariam as vidas daquele recorte temporal
específico. O signo número um está escrito, “Bactérias e vírus” e o número
vinte e seis é o “Primeiros homens modernos”, embora só haja um. Então, dá para
perceber que os autores estavam tentando nos dizer mais do que processo
evolutivo. Isto é, existem imagens sem legendas. As legendas alternam-se entre dentro
e fora do espiral temporal.
Nas duas
páginas que forma a ilustração (Braick,
2011, p. 32-33), ao ressalvar para as cores veremos que a margem inferior
esquerda, o que simboliza o início do universo, tem um cor escura, salpicados
por pontos brancos. Talvez isso queria representar o surgimento das estrelas.
Na medida que olhamos, compreendemos que a evolução está condicionada as
mudança de cor. Na parte escura, o início de tudo, a vida é simples, composta
por “Bactérias e vírus”, na medida em que vai ganhando tons mais claros, a
evolução vai se tornando complexa.
Essa ilustração (Braick, 2011, p. 32-33), evidencia arquétipos que associam a cor
branca ao desenvolvimento e a cor escura ao desconhecido. Ela usa a cor como
padrão evolutivo. Ou seja, a raça é o padrão que norteia essa lógica evolutiva.
Para Cardoso, Maud (1997, p. 406), essa
ilustração (Braick, 2011, p.
32-33), transmite a mensagem. Essa mensagem, em nosso entender é a de que o ser
humano de cor branca, um caucasiano, é o último estágio evolutivo das espécies.
Inserida no contexto social dos livros didáticos das escolas públicas do ensino
fundamental de todo Brasil, essa ilustração (Braick, 2011, p. 32-33) foi concebida a partir de uma visão
europeia. Afirmamos isso a partir de seu lugar de confecção, a cidade de
Oxford, Inglaterra.
Assim,
temos a mensagem, o homem branco é o mais evoluído; a fonte emissora, a
ilustração (Braick, 2011, p. 32-33);
o canal de transmissão, o livro didático (Braick, 2011), e o ponto de recepção, as(os) estudantes.
Obviamente, a ilustração (Braick,
2011, p. 32-33) não é realidade, mas é uma analogia. Dessa forma, a realidade é
reduzida a partir da escolha de códigos para representa-la.
Vivendo em seu cotidiano escolar, mesmo de forma
involuntária, as(os) estudantes decodificam linguagens verbais e não verbais,
ao se depararem com as páginas dos livros que recebem. Ouvindo as explicações
dos seus professores e olhando seu livro de história, consumem esses estoques
de signos, sem saberem ao certo para que servem ou o que lhes informam. Mas ele
vem um homem tão branco quanto uma tapioca ser o ponto final do processo e os
outros serem menos evoluídos.
Portanto, os signos gráficos dessa ilustração
revela a ideologia dos agentes que compuseram e exibiram esse sistema de
signos, aqui recebido o nome de ilustração (Braick,
2011, p. 32-33). Não nos constrange afirma-la ser baseada em princípio de raça,
se não, ao menos de cor. Como mencionado, a cor escura representa o
desconhecido e a simplicidade das vida primitivas e a cor clara, o
desenvolvimento da vida. Um jogo dual muito pernicioso que se equivoca ao fazer
uma ligação distorcida entre as cores escura e clara.
Também não apontaremos o dedo em riste para dizer
que é um material digno de apartheid. Mas é no mínimo uma desonestidade
intelectual usar um caucasiano como exemplo de um dos “Primeiros homens
modernos”. A escala que nos trouxe até aqui, segundo essa ilustração (Braick, 2011, p. 32-33) restringe-se aos
ícones vinte e cinco e vinte e seis. No espiral de recorte temporal, agora na
cor verde, o ícone vinte e cinco, que faz referência aos “Primeiros
hominídeos”, está no período terciário e o ícone vinte e seis, que faz
referência aos “Primeiros homens modernos” (Braick, 2011, p. 33), está no período quaternário. Toda
evolução humana restringe-se a duas figuras, um hominídeo, de cor mais escura,
e um homem moderno, de cor mais clara.
Podemos concluir que essa ilustração está dentro
de um padrão de comportamento que entende o homem branco como sendo um sujeito
superior aos demais. Também concluímos que essa ilustração (Braick, 2011, p. 32-33) reforça arquétipos
nos quais o tom de pelo escuro relaciona-se com o animalesco e o claro
com o humano. Aparentemente basta conter mais melanina na pele para ter a
sentença decretada: a sua minimização. Como se houvesse uma palheta de cores
para determinar a tonalidade na qual os corpos estarão fadados a ocuparem
determinados signos de suas representações imagéticas nas páginas desse livro.
Referências
Graduado
em História pela Universidade Federal da Paraíba
Referências Bibliográficas
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Oi Fabrício
ResponderExcluirGostei muito de sua análise imagética dos livros didáticos, ainda mais por seu sobre um objeto de conhecimento que pouco prestamos atenção nas ilustrações. Você teria sugestões de imagens diferentes, em que que estes sapiens sapiens é negro, indígena ou asiático? Ou sugere estratégias para que possamos superar este discurso imagético?
Boa tarde prezada Carla Satler! Agradecido por seu questionamento, pois a ideia inicial era contrapor a ilustração analisada por outra que traga mais fidedignidade aos fatos arqueológicos e consequentemente mais protagonismo para os africanos. Infelizmente não consegui faze-lo em doze laudas, concentrei-me somente na análise da ilustração acima. Estou refazendo justamente para oferecer outra perspectiva além da análise.
ResponderExcluirReforçando meu agradecimento por sua contribuição,
Att
Fabrício José Pimenta de Araújo.
Que interessante, Fabrício. Sim, uma desonestidade intelectual usar um homem caucasiano como representação. Vi nessa abordagem uma crítica tambem ao 'whitewashing' promovido por Hollywood em filmes como 'Deuses do Egito' e gostaria de saber sua opinião sobre isso.
ResponderExcluirBoa noite estimada kalina vanderlei paiva da silva! Obrigado por sua participação e pertinência no questionamento. Já a partir do cartaz de os “Deuses do Egito”, minha perspetiva fílmica destaca que ele, assim como a ilustração analisada, baseiam-se em preceitos de cor. Mesmo se tratando de uma civilização africana, “Deuses do Egito” nos mostra pessoas caucasianas em seu elenco. Dessa forma, também vemos aqui uma minimização do negro em sua própria história. Não sei se esclareci, mas entendo que esse tipo de produção deveria dar mais visibilidade a personagens negros, já que se trata de uma história que aconteceu na África.
ExcluirAtt,
Fabrício José Pimenta de Araújo.
Parabéns pela realização deste trabalho, Fabrício!
ResponderExcluirAcredito ser muito importante questionar o material didático dos nossos alunos, já que em muitas escolas, este é um dos únicos recursos disponíveis... É lamentável esse apagamento que acaba alimentando uma falsa ideia de superioridade e exclusividade em documentos que deveriam promover reflexão e criticidade.
Letícia Mayer Borges
Boa noite cara Letícia Mayer Borges!
ResponderExcluirAgradeço por sua presença em nosso debate. Também concordo contigo na dificuldades que temos ao nos depararmos com materiais que reforçam preconceitos. Isso pode acontecer mesmo que de formas subliminares, com mensagens de superioridade branca em forma de ícones. Entendo, porém, debates como esse podem, aos poucos, ir fazendo pressão no sentido de melhoramento dos materiais didáticos.
Att,
Fabrício José Pimenta de Araújo.
Prezado Fabrício, quero parabenizá-lo pelo texto que provoca uma discussão importante para todos que estão preocupados com o ensino de História, ou seja, os livros didáticos e suas representações. Não bastasse a relevância do tema em si, o texto explora um velho problema da nossa sociedade. A questão do racismo e de como ele é reelaborado nas análises dos profissionais de história deve ser fator de repetida discussão. Sua reflexão sobre a questão da ilusão referencial como provocador de estratégias para criar efeitos de realidade aponta para uma análise com o auxílio da semiótica o que possibilita um olhar que vai além dos dados enunciados pela imagem, mas uma exploração do simbólico e até mesmo do alegórico. Gostaria que desenvolve mais sobre a questão do poder das imagens e suas sutilezas.
ResponderExcluirPaulo Roberto de Azevedo Maia
Boa noite caro professor Paulo Roberto de Azevedo Maia!
ResponderExcluirFico grato por sua colaboração no debate. O texto ainda é seminal e aos poucos será melhorado. Mas ainda bem que o essencial foi exposto, o critério da cor como elemento estrutural na confecção da ilustração analisada. Imagino que fórum como esse contribuem na busca da melhoria do material didático.
Reforçando meus agradecimentos por sua participação professor.
Cordialmente,
Fabrício José Pimenta de Araújo.