Fabrício José Pimenta de Araújo

REFLEXO NARCISISTA EM UMA “ILUSTRAÇÃO” DOS “PRIMEIROS PERÍODOS DA HISTÓRIA DE NOSSO PLANETA” AOS “PRIMEIROS HOMENS MODERNOS”

Fabrício José Pimenta de Araújo
 
 
Nesse trabalho pretendemos analisar a ilustração da evolução contido no livro didático “ESTUDAR HISTÓRIA: DAS ORIGENS DO HOMEM À ERA DIGITAL”. De autoria da professora Patrícia Ramos Braick, confeccionado pela editora Moderna, no ano de 2011. Ele foi adotado no Plano Nacional do Livro Didático (PNLD) do 6º (sexto) ano do ensino fundamental rede pública de ensino do município de Soledade, PB. O objetivo é identificar a presença do racismo como elemento estrutural nessa publicação.
 
Para tal dividiremos o texto em três partes: na primeira discutiremos um pouco das questões sociais relacionadas à publicações dos livros didáticos dos últimos vinte anos. Na segunda, faremos uma breve discussão sobre o mito de Narciso e na última analisaremos a ilustração em questão.
 
Como nos diz Ferro (1983, p. 11), “controlar o passado ajuda a dominar o presente, a legitimar tanto as dominações como as rebeldias”, ou seja, existem interesses das elites em manipular o ensino da história, através de uma leitura de um passado uniforme que glorifique seus desentendes e legitime o seu lugar de poder. Dessa forma, a finalidade do ensino de história seria menos a de educar os estudantes e mais de exaltar os seus heróis, os seus fundadores da nação, os eventos que marcam o que são eleitos como importantes de ser lembrados, os períodos e as datas do início do que é considerado civilização, estado, progresso, entre outros conceitos-chaves usados para reafirmar o ponto de vista das elites. Por esse ângulo, a história reveste-se de um caráter institucional, na qual indica-se para um passado asséptico, com os conflitos e eventos solucionados pelos personagens escolhidos como merecedores e dignos de não serem esquecidos.
 
Mathias (2011) também indica essa tendência aqui no Brasil desde a fundação da história como disciplina no século XIX no Colégio D. Pedro II. A partir desse momento, observa-se a necessidade do Estado em se legitimar através da história, fazendo dessa disciplina um aparelho de exaltação aos seus símbolos, aos seus personagens, aos fatos ‘importantes’ e ao que fosse considerado louvável para o reconhecimento do país como uma nação soberana.
 
Para o autor, a partir dos anos de 1990, inicia-se no Brasil um nova fase política. Com a redemocratização e a elaboração de uma nova constituição, com a entrada de novos atores no cenário e a emergência de novas demandas sociais, as teorias marxistas que alimentou os movimentos de contestação à ditadura militar até a década dos 1980, foram perdendo força até ceder o lugar para uma nova lógica que o experimentaremos a partir da eleição de Fernando Collor de Mello, à presidência da República nos anos de 1990, mas que se consolida de fato, com a vitória de Fernando Henrique Cardoso em 1994.
 
Mathias (2011, p. 47) aponta que a emergência do neoliberalismo acarretou novos objetivos que exigiram reformas do Estado e na educação para acomoda-los. A lei 9.394, de 1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), seria um exemplo de parte desses novos arranjos trazidos por esses novos temas.
 
Por outro lado, o autor percebeu com a implementação da LDB, o Estado reconheceu, ao menos em tese, a necessidade de inclusão nos currículos e nos livros didáticos de história temáticas inexistentes, tais como: cotidiano, família, sexualidade, gênero, valorização da diversidade étnica, da multiplicidade cultural, entre outros. Mathias (2011, p. 47) indica ao que se convencionou chamar de “nova história” francesa como principal arcabouço teórico que estruturará não apenas a confecção dos livros didáticos, como também será a principal lida nos seminários, simpósios, encontros e colóquios de história.
 
Boa parte dessas diretrizes, segundo o autor, advinham do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do Banco Mundial (BM). A ideia não era nova, mas precisava ser implementada no Brasil. Caso queira se desenvolver, deveria buscar metas de qualidade a serem cumpridas que eram urgentes. Destaque para os superávit primário, saldo positivo na balança comercial, privatizações das estatais de interesse do mercado, isto no campo econômico. Já na educação, houve uma tendência de homogeneização do currículo frente ao que se chamou de “sociedade globalizada”. Como dito anteriormente, a LDB é uma tentativa de se adequar a esses novos padrões curriculares impostos por esses agentes econômicos.
 
Toledo (2016, p. 337) assinala que historiografia didática brasileira abraça a tese ganhadora do concurso sobre “como escrever a história do Brasil?”, pormovido pelo o Instituto Histórico Geográfico Brasileiro (IHGB) em 1845. O vencedor, o naturalista alemão Karl Friedrich Philip von Martius, porpôs em sua a monografia, que a história do Brasil deveria ser estruturada a partir de três elementos: os índios, os europeus e os africanos.
 
Para a autora, daquele concurso em diante, a via teórico-medotológica por onde circulariam os compêndios e os  livros didáticos estava construída. Nela os autores mudavam o cenário e os personagens, mas o roteiro era quase o mesmo: índios e europeus ganharam traços positivos como bravura e coragem, enquantos os africanos são percebidos como uma peça da engrenagem que movia todo o maquinário colonial. Mesmo que se busque aspectos etnográficos dos africanos, eles são entendidos como mercadorias, um instrumento de trabalho, da qual é negada a sua condição humana.
 
A prioridade era os “autores nacionais”. Toledo (2017, p. 342) menciona o livro “Lições de história do Brasil para o uso dos alunos do Imperial Colégio de Pedro II” escrito em 1860, por Joaquim Manuel de Macedo. Nesse contexto de de busca por autores brasileiros em contrapaosição aos estrangeiros, ele teve grande aceitação e serviu para outros “escritos por nacionais” trilhassem pelos mesmos caminhos: a organização dos textos em “lições, a exposição da matéria e a síntese de cada lição num quadro sinótico.”
 
Por fim, Kátia Abud (1998, p 106) questiona o papel dos africanos nos livros didáticos. Assim como Toledo (2017) a autora também percebe que os africanos ganha aspecto de mercadoria, passível de ser vendida, comprada, trocada, alugada ou dada. Para a autora “os livros didáticos salientavam a importância do africano para a vida econômica do país” (ABUD, 1998, p 106). Ademais, ainda partiam de uma ideia equivocada de que a miscigenação acabaria por embranquecer a população negra. Isso levou a erros sobre a composição racial da população brasileira. Esse não reconhecimento da importância dessa população na constituição do “caráter nacional” era reproduzido nos livros didáticos.
 
Portanto, esses livros tem por finalidade satisfazer o pensamento das elites para o tema da formação do povo brasileiro. Para autora, os livros didáticos da Era Vargas, entendiam as religiões africanas como superstições, um verdadeiro obstáculo para a unidade nacional, que diga-se de passagem, era católica. Assim, de um lado são traçadas estratégias de esquecimento da religiões de matrizes africanas nos livros desse período e do outro é a catequese quem ganha destaque no processo civilizador no Brasil.
 
Assim, um nexo de dualidade vai se estabelecendo, a Europa é vista como portadora do progresso versus a África como o lugar do exótico e da barbárie. Desse modo, os livros didáticos vão seguindo com as Reformas da Educação, mas mantendo essa lógica implícita: os índios eram romantizados como um herói desaparecidos ou corrompidos pelo branco; os bandeirantes garantiram a expansão do território nacional e os africanos escravizados eram apenas mercadorias.
 
Como as pessoas são em mercadorias. Então bastaria seguir essa lógica, para entendermos o seu tratamento textual e simbólico não merece uma atenção especial. Basta a construção de imagens e textos convenientes para se montar o quadro que se deseja. Aparentemente não são muitas as exigências com a verossimilhança na reconstrução dos selecionados fatos históricos. Ao menos no que se refere a essa ilustração (Braick, 2011, p. 32-33) em debate, esse livro didático, Braick (2011), atende aos interesses além dos projetos pedagógicos.como veremos adiante.
 
De ante mão, deixando claro, não analisaremos a poesia, o teatro ou as manifestações artísticas da antiga Grécia. Usaremos o mito de narciso apenas como uma metáfora no tratamento de uma ilustração que representaria o processo evolutivo, embora autora (Braick, 2011, p. 32-33) sequer tenha mencionado esse termo nessa publicação, mas, em nosso entender, não compre com seus objetivos didáticos.
 
Segundo Braick (2011, p. 160) “A poesia era muito importante para os gregos. (...) Os principais temas das poesias eram os mitos (...) A poesia era recitada tanto em público, nas festividades, quanto nas reuniões privadas. (...) No século V a.C., o teatro era considerado a principal forma de poesia. (...) Havia dois tipos de espetáculos teatrais: a tragédia e a comédia.” Em geral, na tragédia, as peças tinham a mitologia seu principal tema. Na comédia, os temas estavam mais relacionados aos políticos e a vida privada.
 
Os poetas (aedo) de língua grega iam de cidade (polis) em cidade declamando seus versos. Neles os cidadãos escutavam sobre os seus deuses, sobre as suas origens,  sobre o que hoje chiaríamos de cosmogonia. Mas não apenas isso, as poesias também narravam histórias de guerras, dos governantes. Por esse olhar, os poetas transmitiam não apenas seus versos, mas também informações do cotidiano do mundo da Grécia antiga. A titanomaquia, os acordos que Zeus fez com os ciclopes e outros para conseguir realizar suas finalidades, as tramas que envolviam sentimentos tão humanos quanto os nossos, tudo isso era transmitido oralmente por esses poetas.
 
Antes de tudo esse herói nos fala de si mesmo, do amor exagerado de si próprio, conta-nos a história do que hoje chamaríamos de uma pessoa individualista mo ou egoísmo. Ele não é a representação de ações voltadas para o coletivo. Ao ponto de rejeitar as interações com os outros. Isso porque ele, de tão convencido de sua própria beleza, relega para a indiferença qualquer tentativa de aproximação.
 
Segundo Carvalho (2010), Ovídio atribui à origem desse herói, da relação do deus-rio Cefiso com a ninfa dos rios e das fontes, Liríope. Como era de costume, o áugure Tirésias foi consultado para prever o destino daquele recém-nascido, “viveria até a senectude, o vate fatídico falou: “Se não se conhecer”” (Carvalho, 2010, p. 350).
 
Sem se dar conta daquelas palavras misteriosas, o jovem Narciso cresceu, Tornou-se um soberbo rapaz. Sua beleza despertava o interesse de muitos que queriam se aproximar daquele lindo jovem. Mas ele renegava as tentativa de aproximação. Amínias foi quem se tornou íntimo e teve seu destino marcado pelo o suicídio cometido pela a própria espada dada por Narciso para este provar o seu amor. Provou da forma mais trágica, não antes sem mal praguejar, o responsável por toda aquela dor.
 
Ainda seguindo o caminho do Dicionário Etimológico da Mitologia Grega multilingue On Line (2022), a dor causada por Narciso não passaria despercebida. Eros, deus do amor, condenou-o a apaixonar-se por si mesmo. Em Téspias, na Boécia, Narciso morreu. Nesse lugar nasceu uma flor que recebeu o seu nome.
 
KURY (2009, p. 1330-1333) além dessa, oferece-nos outras duas versões. Em todas, o início é o mesmo: o deus Cefiso tem uma criança com a ninfa Liríope. Os pais foram consultar o adivinho Tirésias que disse “teria uma vida longa se não visse sua própria face.” (KURY, 2009, p. 1330).
 
Mas nessa versão, ao invés de Amínias ser a grande paixão de Narciso, agora veremos a ninfa dos boques e das fonte Eco, apaixonar-se por esse indiferente e belo jovem. Resignada por não ser correspondida, refugiou-se no deserto e “definhou até que somente restaram dela os gemidos”, (KURY, 2009, p. 1331). As ninfas rogaram aos deuses que repreendesse aquele petulante rapaz. Nêmeses, deusa do destino e da vingança divina, afeitou-se com o pedido e “induziu Narciso, depois de uma caçada num dia muito quente, a debruçar-se numa fonte para beber água.” (KURY, 2009, p. 1331). Ao fazer isso o jovem apaixona-se por si mesmo e não consegue mais sair dali. Imóvel e compenetrado por sua própria beleza, Narciso morre. Novamente uma flor nasce nesse lugar e também recebe o seu nome.
 
Esse mito serviu para a inspiração nas artes plásticas, para a música, o teatro e outras manifestações. Ele nos interessa porque representa a imagem de si, seja da autora, seja da editora, refletida no gráfico, que discutiremos a seguir.
 
Fonte: BRAICK, Patrícia Ramos. Estudar História: das origens do homem à era digital. Ed. Moderna. 1. Ed. São Paulo. 2011. p. 32-33. (reprodução fotográfica)
 
Para nossa análise usaremos a noção de semiótica adotada por Cardoso; Maud (1997). Nessa consideração, os autores partem do conceito ícone como “signo que se refere ao Objeto que denota simplesmente por força de caracteres próprios (...) que ele possuiria” (Cardoso; Maud, 1997, p. 403). Em nosso caso o objeto é a ilustração acima e o signo é o conjunto de imagens que a compõe. De acordo com Cardoso; Maud (1997, p. 403), todo signo faz referência ao objeto, por possuir traços em comum, ambos intercalam-se para compor metáforas, imagens, diagramas, no caso específico, uma ilustração.
 
Segundo a professora Braick (2011, p. 32-33) essa ilustração é de autoria de Jill Bailey e Tony Seddon. Encontra-se no livro “Prehistoric World”, editado na cidade de Oxford, pela a editora da universidade de Oxford, no ano de 1994, página 41. Pesquisamos, mas não dispomos de outras informações além dessas.
 
Mesmo assim, com esses vestígios dá ao menos para saber onde foi produzido, na cidade de Oxford, Inglaterra. Portanto, trata-se de um país europeu. Arriscaria dizer que os autores também são ingleses, mas não farei isso baseado apenas em seus nomes. Existem centenas Jill Baileys e Tony Seddons na internet, dificílimo depurar quem seriam as(os) autoras(es) nessa profusão. Então, fiquemos apenas com essas informações para irmos adiante.
 
Os livros didáticos utilizam-se de imagens, seja fotografias, seja diagramas, seja ilustrações, para em tese, facilitar o processo de aprendizagem das(os) alunas(os). Cardoso; Maud (1997, p. 403), indica que as imagens, ou seja, os signos icônicos, encontram facilidade no diálogo imediato, uma percepção instantânea é estabelecida na comunicação visual. Esse imediatismo justificaria o uso de recursos icônicos com propósitos didáticos.
 
O problema é quando as imagens, gráficos ou ilustrações comunicam algo distorcido, quando elas reforçam preconceitos ou quando anunciam mais os ideais de quem as produziu do que informações necessárias para se obter conhecimento. Deixando claro que o artigo de Cardoso; Maud (1997), refere-se especificamente a fotografia e ao cinema. Porém, o estudo da semiótica abrange qualquer tipo de comunicação, verbal e não-verbal.
 
Para Cardoso; Maud (1997), a relação do ícone com o objeto sempre é incompleta. Sozinho o ícone não tem força, ele precisa de outros ícones menores para compor uma imagem. Peguemos a ilustração (Braick, 2011, p. 32-33) como exemplo. Para formar sua ilustração, os autores ou os editores, ou até mesmo os trabalhadores dessas editoras, criaram um espiral para simbolizar os recortes temporais, com desenhos que representariam a evolução das espécies de acordo com esses recortes. Assim o objeto, a ilustração do processo evolutivo, embora não seja dito, é composto por diversos signos que nos remete à evolução das espécies.
 
Para criar o efeito de realidade, Cardoso; Maud (1997, p. 404), adverte-nos que os autores recorrem a ilusão referencial. Trata-se de um conjunto de procedimentos voltados para criar o efeito de realidade. Esses procedimentos asseguram a construção de uma imagem visual, ou seja, uma unidade de manifestação autossuficiente, mesmo que passível de análise.
 
Cardoso, Maud (1997, p. 404) indica sua análise está alicerçada na semiótica Planar. Dito com outras palavras, é a análise de imagens bidimensionais, que cabem em um plano. É a nossa folha, com a suas duas dimensões: a largura e o comprimento. Nesse espaço é impossível enxergar diretamente objetos em três dimensões. Os autores falam que os “significantes bidimensionais inseridos em um plano” (Cardoso, Maud, 1997, p. 404), são culturalmente determinados.
 
Nessa lógica, os textos e imagens de natureza icônica, trazem as propriedades culturais que lhe são atribuídas. Essas propriedades são os códigos de reconhecimento, são os traços e as características de seu tempo, de seu local e de quem produziu. Essas características são os critérios gráficos que correspondem ao conteúdo enunciado. Os critérios gráficos tentam reproduzir nossas estruturas mentais através de esquemas gráficos de reconhecimentos.
 
Nossa ilustração (Braick, 2011, p. 32-33), assim como qualquer outra imagem, seguindo a trilha de Cardoso, Maud (1997, p. 406), está fincado nos códigos de convecção social. Como ele não é exógeno, remete a formas de ser e agir se seu contexto social. Como já sabemos, a ilustração foi confeccionada na cidade de Oxford, por mais insignificante que isso aparente, ainda sim é uma pista de seus produtores. Com ela podemos encontrar dizer algo que nos diga porque essa ilustração foi feita desse modo e não de outro.
 
Como toda ilustração, seu intuito é expressar informações. Essas informações dão elementos dos aspectos da vida social, não apenas das pessoas envolvidas em sua produção, mas também da sociedade em que vivem.
 
Então, observando a ilustração (Braick, 2011, p. 32-33), notaremos que informa sobre o processo evolutivo. Esse é o primeiro e o mais óbvio dos ponto a ser observado. Mas tentaremos ir adiante. Existem vinte e seis signos, vinte e sete se contarmos com a espiral que marca os recortes temporais. Para efeito de esclarecimento, nossa análise excluiu o espiral como signo por não está dentro do padrão enumerado que representaria a evolução da vida. Mas cabe ressaltar que ele surge de pontos brancos em um fundo de tonalidade escura. Supomos representar a explosão cósmica denominada Big Bang.
 
Não é objeto de estudo ou discussão nesse texto tratar cientificamente o que vem a ser o Big Bang, mas a nível de informação. É uma teoria da astrofísica que preconiza o surgimento do universo, e, naturalmente, tudo que existe nele, a partir de uma grande explosão ocorrida há 13,8 bilhões de anos atrás. Talvez por questões religiosas, talvez por motivos pessoais, talvez nunca saberemos, mas fato é Braick (2011, p. 32-43) em todo capítulo três, “O ser humano em busca de suas origens”, não menciona o termo Big Bang ou a tal explosão cósmica. Talvez, para seguir essa lógica do início ser uma explosão, o espiral de recorte temporal começa na cor laranja, quente, e acaba na cor verde, fria.
 
Cada um dos signos, em sua devida ordem, simulariam as vidas daquele recorte temporal específico. O signo número um está escrito, “Bactérias e vírus” e o número vinte e seis é o “Primeiros homens modernos”, embora só haja um. Então, dá para perceber que os autores estavam tentando nos dizer mais do que processo evolutivo. Isto é, existem imagens sem legendas. As legendas alternam-se entre dentro e fora do espiral temporal.
 
Nas duas páginas que forma a ilustração (Braick, 2011, p. 32-33), ao ressalvar para as cores veremos que a margem inferior esquerda, o que simboliza o início do universo, tem um cor escura, salpicados por pontos brancos. Talvez isso queria representar o surgimento das estrelas. Na medida que olhamos, compreendemos que a evolução está condicionada as mudança de cor. Na parte escura, o início de tudo, a vida é simples, composta por “Bactérias e vírus”, na medida em que vai ganhando tons mais claros, a evolução vai se tornando complexa.
 
Essa ilustração (Braick, 2011, p. 32-33), evidencia arquétipos que associam a cor branca ao desenvolvimento e a cor escura ao desconhecido. Ela usa a cor como padrão evolutivo. Ou seja, a raça é o padrão que norteia essa lógica evolutiva.
 
Para Cardoso, Maud (1997, p. 406), essa ilustração (Braick, 2011, p. 32-33), transmite a mensagem. Essa mensagem, em nosso entender é a de que o ser humano de cor branca, um caucasiano, é o último estágio evolutivo das espécies. Inserida no contexto social dos livros didáticos das escolas públicas do ensino fundamental de todo Brasil, essa ilustração (Braick, 2011, p. 32-33) foi concebida a partir de uma visão europeia. Afirmamos isso a partir de seu lugar de confecção, a cidade de Oxford, Inglaterra.
 
Assim, temos a mensagem, o homem branco é o mais evoluído; a fonte emissora, a ilustração (Braick, 2011, p. 32-33); o canal de transmissão, o livro didático (Braick, 2011), e o ponto de recepção, as(os) estudantes. Obviamente, a ilustração (Braick, 2011, p. 32-33) não é realidade, mas é uma analogia. Dessa forma, a realidade é reduzida a partir da escolha de códigos para representa-la.
 
Vivendo em seu cotidiano escolar, mesmo de forma involuntária, as(os) estudantes decodificam linguagens verbais e não verbais, ao se depararem com as páginas dos livros que recebem. Ouvindo as explicações dos seus professores e olhando seu livro de história, consumem esses estoques de signos, sem saberem ao certo para que servem ou o que lhes informam. Mas ele vem um homem tão branco quanto uma tapioca ser o ponto final do processo e os outros serem menos evoluídos.
 
Portanto, os signos gráficos dessa ilustração revela a ideologia dos agentes que compuseram e exibiram esse sistema de signos, aqui recebido o nome de ilustração (Braick, 2011, p. 32-33). Não nos constrange afirma-la ser baseada em princípio de raça, se não, ao menos de cor. Como mencionado, a cor escura representa o desconhecido e a simplicidade das vida primitivas e a cor clara, o desenvolvimento da vida. Um jogo dual muito pernicioso que se equivoca ao fazer uma ligação distorcida entre as cores escura e clara.
 
Também não apontaremos o dedo em riste para dizer que é um material digno de apartheid. Mas é no mínimo uma desonestidade intelectual usar um caucasiano como exemplo de um dos “Primeiros homens modernos”. A escala que nos trouxe até aqui, segundo essa ilustração (Braick, 2011, p. 32-33) restringe-se aos ícones vinte e cinco e vinte e seis. No espiral de recorte temporal, agora na cor verde, o ícone vinte e cinco, que faz referência aos “Primeiros hominídeos”, está no período terciário e o ícone vinte e seis, que faz referência aos “Primeiros homens modernos” (Braick, 2011, p. 33), está no período quaternário. Toda evolução humana restringe-se a duas figuras, um hominídeo, de cor mais escura, e um homem moderno, de cor mais clara.
 
Podemos concluir que essa ilustração está dentro de um padrão de comportamento que entende o homem branco como sendo um sujeito superior aos demais. Também concluímos que essa ilustração (Braick, 2011, p. 32-33) reforça arquétipos nos quais o tom de pelo escuro relaciona-se com o animalesco e o claro com o humano. Aparentemente basta conter mais melanina na pele para ter a sentença decretada: a sua minimização. Como se houvesse uma palheta de cores para determinar a tonalidade na qual os corpos estarão fadados a ocuparem determinados signos de suas representações imagéticas nas páginas desse livro.
 
Referências

Graduado em História pela Universidade Federal da Paraíba
 
Referências Bibliográficas

ABUD, Katia Maria. Formação da Alma e do Caráter Nacional: Ensino de História na Era Vargas. Revista Brasileira de História [online]. 1998, v. 18, n. 36 [Acessado 27 Junho 2022], pp. 103-114. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0102-01881998000200006>. Epub 06 Maio 1999. ISSN 1806-9347. https://doi.org/10.1590/S0102-01881998000200006.
 
BRAICK, Patrícia Ramos. Estudar História: das origens do homem à era digital. Ed. Moderna. 1. Ed. São Paulo. 2011.
 
CARDOSO, Ciro Flamarion; MAUD, Ana Maria. História e imagem: os exemplos da fotografia e do cinema. IN: CARDOSO, Ciro Flamarion; Vainfas, Ronaldo (Orgs.) Domínios da história: ensaios de teoria e metodologia. 1º Edição. Rio de Janeiro: editora Campus. 1997. p. 401-417.
 
CARVALHO, Raimundo Nonato Barbosa de. Metamorfoses em Tradução. Relatório Final como trabalho de conclusão de pós-doutoramento. Programa de Pós-graduação em Letras Clássicas, Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas. Faculdade de Filosofia. Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. São Paulo. 2010. Disponível em: http://www.usp.br/verve/coordenadores/raimundocarvalho/rascunhos/metamorfosesovidio-raimundocarvalho.pdf . Acesso em: 20/07/2022.
 
DICIONÁRIO Etimológico da Mitologia Grega multilingue On Line (DEMGOL). Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/409973/mod_resource/content/2/demgol_pt.pdf Acesso em: 20/07/2022.
 
FERRO, Marc. A manipulação da história no ensino e nos meios de comunicação. São Paulo. IBRASA, 1983.
 
KURY, Mario Gama.. Dicionário da mitologia grega e romana.8ª Edição. Rio de Janeiro. Editora Jorge Zahar. 2009. p. 1330-1333.
 
MATHIAS, Carlos Leonardo Kelmer. O ensino da história no Brasil: Contextualização e abordagem historiográfica. História Unisinos, v.15, n. 1, p. 40-49, jan./abril, 2011.
 
OVÍDIO. Metamorfoses. Tradução do inglês de Vera Lucia Leitão Magyar. São Paulo, Madras, 2003.
 
TOLEDO, Maria Aparecida Leopodino Tursi. Problematizar o tradicional para encontrar o novo. Cardernos de História da Educação, v. 15, n.1, p. 323-347, jan.-abr., 2016.

8 comentários:

  1. Oi Fabrício
    Gostei muito de sua análise imagética dos livros didáticos, ainda mais por seu sobre um objeto de conhecimento que pouco prestamos atenção nas ilustrações. Você teria sugestões de imagens diferentes, em que que estes sapiens sapiens é negro, indígena ou asiático? Ou sugere estratégias para que possamos superar este discurso imagético?

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  2. Fabrício José Pimenta de Araújo14 de setembro de 2022 às 13:46

    Boa tarde prezada Carla Satler! Agradecido por seu questionamento, pois a ideia inicial era contrapor a ilustração analisada por outra que traga mais fidedignidade aos fatos arqueológicos e consequentemente mais protagonismo para os africanos. Infelizmente não consegui faze-lo em doze laudas, concentrei-me somente na análise da ilustração acima. Estou refazendo justamente para oferecer outra perspectiva além da análise.
    Reforçando meu agradecimento por sua contribuição,
    Att
    Fabrício José Pimenta de Araújo.

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  3. kalina vanderlei paiva da silva14 de setembro de 2022 às 19:31

    Que interessante, Fabrício. Sim, uma desonestidade intelectual usar um homem caucasiano como representação. Vi nessa abordagem uma crítica tambem ao 'whitewashing' promovido por Hollywood em filmes como 'Deuses do Egito' e gostaria de saber sua opinião sobre isso.

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    1. Fabrício José Pimenta de Araújo.14 de setembro de 2022 às 22:55

      Boa noite estimada kalina vanderlei paiva da silva! Obrigado por sua participação e pertinência no questionamento. Já a partir do cartaz de os “Deuses do Egito”, minha perspetiva fílmica destaca que ele, assim como a ilustração analisada, baseiam-se em preceitos de cor. Mesmo se tratando de uma civilização africana, “Deuses do Egito” nos mostra pessoas caucasianas em seu elenco. Dessa forma, também vemos aqui uma minimização do negro em sua própria história. Não sei se esclareci, mas entendo que esse tipo de produção deveria dar mais visibilidade a personagens negros, já que se trata de uma história que aconteceu na África.
      Att,
      Fabrício José Pimenta de Araújo.

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  4. Parabéns pela realização deste trabalho, Fabrício!

    Acredito ser muito importante questionar o material didático dos nossos alunos, já que em muitas escolas, este é um dos únicos recursos disponíveis... É lamentável esse apagamento que acaba alimentando uma falsa ideia de superioridade e exclusividade em documentos que deveriam promover reflexão e criticidade.

    Letícia Mayer Borges

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  5. Fabrício José Pimenta de Araújo.14 de setembro de 2022 às 23:07

    Boa noite cara Letícia Mayer Borges!
    Agradeço por sua presença em nosso debate. Também concordo contigo na dificuldades que temos ao nos depararmos com materiais que reforçam preconceitos. Isso pode acontecer mesmo que de formas subliminares, com mensagens de superioridade branca em forma de ícones. Entendo, porém, debates como esse podem, aos poucos, ir fazendo pressão no sentido de melhoramento dos materiais didáticos.
    Att,
    Fabrício José Pimenta de Araújo.

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  6. Prezado Fabrício, quero parabenizá-lo pelo texto que provoca uma discussão importante para todos que estão preocupados com o ensino de História, ou seja, os livros didáticos e suas representações. Não bastasse a relevância do tema em si, o texto explora um velho problema da nossa sociedade. A questão do racismo e de como ele é reelaborado nas análises dos profissionais de história deve ser fator de repetida discussão. Sua reflexão sobre a questão da ilusão referencial como provocador de estratégias para criar efeitos de realidade aponta para uma análise com o auxílio da semiótica o que possibilita um olhar que vai além dos dados enunciados pela imagem, mas uma exploração do simbólico e até mesmo do alegórico. Gostaria que desenvolve mais sobre a questão do poder das imagens e suas sutilezas.
    Paulo Roberto de Azevedo Maia

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  7. Fabrício José Pimenta de Araújo.15 de setembro de 2022 às 23:01

    Boa noite caro professor Paulo Roberto de Azevedo Maia!
    Fico grato por sua colaboração no debate. O texto ainda é seminal e aos poucos será melhorado. Mas ainda bem que o essencial foi exposto, o critério da cor como elemento estrutural na confecção da ilustração analisada. Imagino que fórum como esse contribuem na busca da melhoria do material didático.
    Reforçando meus agradecimentos por sua participação professor.
    Cordialmente,
    Fabrício José Pimenta de Araújo.

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