GUERRA NA UCRÂNIA E
JORNAIS: OPORTUNIDADES PEDAGÓGICAS PARA O ENSINO MÉDIO
Este
artigo apresenta algumas possibilidades de como a guerra na Ucrânia pode ser
utilizada nas salas de aula do Ensino Médio como uma fonte histórica e um
instrumento pedagógico. O mesmo divide-se em quatro tópicos: História, teoria e
metodologia; Ucrânia; Imigração ucraniana no Brasil; Possibilidades
pedagógicas; respectivamente. Compreendem as referências autores consolidados
nas temáticas expostas, tanto da História quanto da sua metodologia e veículos
de imprensa virtuais para subsidiar as propostas.
História,
teoria e metodologia
É notório
o consenso de que a escola ocupa um lugar de destaque na formação dos sujeitos.
Mesmo num cenário disruptivo, em que é possível aprender sobre quase tudo
utilizando dispositivos eletrônicos e seus arcabouços virtuais, a escola ainda
se mantém como sinônimo de aprendizado, para uma boa parcela da população.
Dessa forma, cumpre a ela uma função social que extrapola a transmissão formal
de conhecimentos (LAKATOS, MARCONI, 2014) impondo novos paradigmas frente à uma
sociedade que se transforma vertiginosamente.
Consoante
a estas mudanças, a educação básica precisa preparar seus estudantes para um
mundo em que se exigem habilidades e competências que extrapolam os conteúdos
curriculares. Tais aptidões, a serem lapidadas ainda na escola, levam o
discente a refletir e consequentemente a agir sobre as demandas complexas que a
vida impõe, colaborando com o pleno exercício da cidadania (BNCC, 2018).
Almeja-se com essa propositura, de que os jovens tenham na educação escolar os
subsídios para uma formação integral, para uma vida em sua plenitude.
E a
História, nesse viés, assume, nas palavras de Rüsen “funções de orientação
existencial” (2001, p. 34), permitindo a compreensão de questões sociais atuais
na medida em que se apresenta como fundamental para a formação de indivíduos
mais conscientes da conjuntura social à qual fazem parte. E, com isso, essa
disciplina age em harmonia com os objetivos da Base Nacional Comum Curricular
(2018), ao operacionalizar o desenvolvimento de capacidades sociais, emocionais
e culturais durante sua efetivação nas aulas.
Embora,
muitas vezes, possa parecer aos discentes de que a História se constrói de modo
objetivo e sequencial, é fundamental que eles percebam que os acontecimentos
históricos não podem ser explicados dessa maneira, ou seja, de modo simplista,
como causa-acontecimento-consequência (BRODBECK, 2012). E essa característica
proporciona o combate as sistematizações totalizantes (CERTEAU, 1982) que com
suas verdades absolutas induzem ao erro às sociedades.
Ucrânia
A Ucrânia
situa-se no Leste Europeu, sendo o maior país em extensão territorial dentro
desse continente, uma vez que a Rússia, ocupa também a Ásia. Ela faz fronteira
com a Bielo Rússia, Hungria, Moldávia, Romênia e Rússia, além dos mares Negro e
de Azov. Seu solo, conhecido como chernossolo, possui características especiais
de fertilidade, o que sempre motivou a cobiça dos seus vizinhos (BURKO, 1963).
A
presença de tribos primitivas caçadoras coletoras em seu território, atual
norte do Mar Negro, remonta ao Alto Paleolítico (40000 a 15000 a.C.), apesar de
vestígios arqueológicos registrarem seres humanos há 700000 anos a.C.
(YEKELCHYK, 2007). Segundo o mesmo autor, foi só aos 5000 anos da mesma era que
estes grupos se sedentarizaram, devido a prática da agricultura.
Posteriormente,
existiu a Cultura Tripiliana, datada de 4000 a 2500 a.C. cujas características
principais eram o uso do arado de madeira e rituais religiosos (YEKELCHYK,
2007). Entre 1500 a 750 a.C. foi invadida pelos cimérios, vindos da Ásia e
assistiu no Mar Negro o estabelecimento de postos comerciais gregos. Citas,
godos, sármatas, turcos (hunos, búlgaros, ávaros e cazares) ora expandiram, ora
regrediram seus domínios nessa região, alcançando o século VII.
Com as
invasões vikings, há o estabelecimento do primeiro Estado em solo ucraniano no
século IX, a Rus de Kyiv, liderada por Rurik ou Rurikovytchi, que unificou
diversas tribos eslavas de origem viking (BURKO, 1963). Em seguida, surgiram
vários principados como o da Volínia e o da Galícia, que não conseguiram manter
sua soberania perante seus vizinhos e foram anexados aos reinos da Lituânia e
Polônia, respectivamente, na passagem do Medievo para a Idade Moderna.
Enquanto
isso, no sul das estepes ucranianas emergiram povoações que abarcavam
pescadores, caçadores e até saqueadores, que passaram a ser chamados de
cossacos (YEKELCHYK, 2007). Eram homens que fugiam da servidão e desenvolveram
habilidades militares bastante úteis para a época. Ainda que houvessem vários
grupos cossacos, o principal foi aquele que habitou a fortaleza do Vale do Rio
Dnipro, denominada de Zaporizhia Sich (SUBTELNY, 2009).
Paralelamente,
Kyiv é tomada pelos russos. Enquanto o mundo presencia ao esfacelamento de
muitos reinos, e em contrapartida, a unificação de outros, os ucranianos nesse
período, subjugam-se a servidão da tríade russa, polonesa e austro-húngara e
isso segue até o XIX (BURKO, 1963). Só no século seguinte, a Ucrânia
experimenta uma breve liberdade e torna-se uma república, entre 1918 e 1919.
Os anos
que seguiram, quando da sua junção compulsória à União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas, liderada pela Rússia, impôs décadas de tragédias e
sofrimento a milhões de ucranianos (SUBTELNY, 2009). Um exemplo, o Holodomor
(Голодомор) que significa morte por fome ou por inanição ocorrido no biênio 1932-1933,
ceifou aproximadamente 4,5 milhões de ucranianos (APPLEBAUM, 2019) e foi
orquestrado pelo governo soviético, como uma política de estado para dizimar
esse grupo étnico.
Dentro
desse mesmo período, como se não bastasse a imposição da fome artificial, os
traumáticos anos 30, nas palavras de Subtelny (2009), ainda mataram perto de 30
mil ucranianos que faziam parte da elite intelectual. Para Haneiko (1974) a
liberdade de pensamento na Ucrânia Soviética era um delito.
Depois de
ter alcançado sua soberania, como um país livre, a partir de 1991 a Ucrânia
lidou com diversos problemas internos, causados inclusive, por interferências
externas, tendo como expoente a cobiça da Rússia, que insistia em mantê-la sob
seus domínios. Sob a alegação de serem “irmãos” étnicos, e até devido à
proximidade territorial, os russos não pouparam esforços - diplomáticos e
coercitivos – de se valerem de tal proximidade.
Na
disputa pela presidência do país em 2004, dois candidatos ganharam destaque:
Viktor Yushchenko, alinhado à Ucrânia, e, Viktor Yanukovytch, pró-Rússia. O
primeiro, foi envenenado com dioxina (YEKELCHYK, 2007) numa tentativa de
assassinato durante sua campanha; enquanto as pesquisas o colocavam como o
favorito, muito à frente de seu oponente.
Após o resultado
da eleição no mesmo ano, eclodiu a Revolução Laranja (Помаранчева революція).
Foram uma série de manifestações contra a corrupção, a intimidação por votos e
a latente fraude eleitoral nesse pleito à presidência. Se não fosse a presença
de meio milhão de ucranianos na Praça da Independência, mais uma vez, o país
cairia sob a interferência direta da Rússia. Para PLOKHY (2012) a vitória foi
da democrática Revolução Laranja, que empossou Yushchenko, depois de outra
eleição.
Na década
seguinte, entre 2013 e 2014, a população saiu às ruas exigindo o alinhamento do
país com a União Europeia e seu descontentamento com a corrupção política,
característica principal do governo de Yanukovytch, eleito em 2010. Tal fato
histórico é conhecido como Primavera Ucraniana ou Euromaidan (Євромайдан – euro
praça) e marca também, a invasão russa da Crimeia, território ucraniano.
E em
2022, no dia 24 de fevereiro às 5h, a Rússia invadiu à Ucrânia. O pretexto do
invasor, que alega uma intervenção militar e não declaradamente uma guerra é a
desnazificação ucraniana, a proteção de russos étnicos que vivem em território
estrangeiro e claro, a possibilidade de a Ucrânia aderir à Organização do
Tratado do Atlântico Norte – OTAN. Tal ofensiva quebrou uma paz de oito
décadas, desde a Segunda Guerra Mundial.
Imigração
ucraniana no Brasil
Nosso
país registrou três ondas migratórias distintas. A primeira leva de ucranianos
que chegou em solo brasileiro data de 1891 e se estendeu até a eclosão da
Primeira Guerra Mundial, totalizando quarenta e cinco mil pessoas (BURKO,
1963). A característica principal desse grupo era de que em sua maioria, eram
camponeses e agricultores sem-terra, atormentados pelo fantasma da servidão que
vigorou até 1850 na Ucrânia. No papel ela foi abolida nesta data, mas
estendeu-se até o início do XX em muitas regiões.
Na
segunda etapa, vieram aproximadamente nove mil ucranianos. A redução latente se
justificou devido ao momento em que ela ocorreu: no período Entreguerras. O
grupo social contemplado em questão se alterou, era composto por exilados
políticos contrários aos bolcheviques e ao poder soviético russo (BURKO, 1963).
Vale destacar que muitos soldados ucranianos lutaram nos dois combates,
destruindo inúmeras famílias e ainda, a União das Repúblicas Socialistas
Soviética – a URSS – controlava a locomoção das pessoas rigorosamente dentro do
seu domínio, punindo os que desejavam emigrar.
E
finalmente, na última, adentraram ao país por volta de sete mil ucranianos
(BURKO, 1963). Mais uma vez, se comparado ao quantitativo da primeira entrada
esse número é bastante pequeno. Entre os que chegaram figuravam prisioneiros de
guerra, refugiados políticos e militares. Estes, em especial, assentaram-se em
cidades, evitando o campo por já terem uma profissão. Muitos deles haviam
presenciado os horrores da Primeira e Segunda Guerras, o Holodomor e claro,
inúmeras outras políticas de estado do socialismo soviético genocida.
Estima-se
que atualmente o número de ucranianos e seus descendentes no Brasil esteja
próximo de um milhão, mantendo ainda bastante forte os contornos de sua presença
nos estados do sul, onde é possível experimentar essa cultura de modo mais
marcante. Vivencia-se nesse momento uma singela onda de cientistas ucranianos
em especial; devido aos incentivos do governo do Estado do Paraná para receber
os refugiados da guerra atual.
Possibilidades
pedagógicas
Se a
escola precisa municiar seus estudantes com conhecimentos e o desenvolvimento
de competências e habilidades que extrapolam seus usos apenas no seu ambiente,
mas que serão essenciais para a vida futura, é notório que para que isso se
efetive são necessários muito mais que os usos dos objetos de conhecimento
(BNCC, 2018), mas uma articulação deles em relação a contemporaneidade,
tratando-se da História.
Considerando
que somente através de um processo de ensino-aprendizagem correlato à realidade
circundante, mas com vistas ao global é que os estudantes alcançarão a reflexão
histórica. Se a cultura brasileira é ao mesmo tempo, singular e plural,
composta por diversas outras; a valorização de uma identidade nacional, sem
perder de vista as especificidades regionais se coloca como uma necessidade,
pois a memória nacional se efetiva com o conhecimento da história cultural
(FIGUEIRA; MIRANDA, 2012) das etnias que contribuíram e contribuem com esse
complexo hibridismo.
A guerra
na Ucrânia já se encontra registrada na história da humanidade e isso não pode
ser alterado. Se para muitos brasileiros havia o desconhecimento dessa nação e
até de ucranianos e seus descendentes em solo brasileiro e, praticamente nada
pode ser feito por aqueles que não estão participando diretamente do confronto;
emerge como uma possível contribuição a esta cultura, o uso desse fato
histórico em sala de aula.
Nesse
contexto, reconhecendo a identidade ucraniana da diáspora como parte integrante
da cultura brasileira e parafraseando Le Goff (2003, p. 422) “[...] o estudo da
memória social é um dos meios fundamentais de abordar os problemas do tempo e
da história, relativamente aos quais a memória está ora em retraimento, ora em
transbordamento.” E nesse momento, ela se encontra em transbordamento,
comparando a atualidade às palavras do autor.
Se o
confronto trouxe a atenção de toda a sociedade para a Ucrânia, os docentes
podem se valer desse interesse para suas aulas. E para isso, há praticamente
fontes inesgotáveis para tal debate, levando em conta, por exemplo, os inúmeros
jornais. E além do tema central, a guerra enquanto fato histórico, outros
subprodutos derivam dessa temática e contemplam o que se espera da História na
escola.
“Sem entrar
no debate teórico sobre essas questões, é essencial que os historiadores
defendam o fundamento de sua disciplina: a supremacia da evidência. Se os seus
textos são ficções, como o são em certo sentido, constituindo-se de composições
literárias, a matéria-prima dessas ficções são fatos verificáveis. [...] Se a
História é uma arte imaginativa, é uma arte que não inventa, mas organiza objets
trouvés (objetos encontrados). A distinção pode parecer pedante ao não
historiador, principalmente àquele que utiliza material histórico para seus
próprios fins” (HOBSBAWN citado por FERRREIRA; FRANCO; 2013, p. 81).
E,
valendo-se das palavras de Certeau (1982) é preciso separar e transformar em
documentos aquilo que está distribuído de outra maneira. O uso de notícias em
sala não é novidade, mas é preciso considerar que os jornais não possuem os
mesmos objetivos que a historiografia. Eles servem a si próprios, compreendendo
desde estratégias mercadológicas a grupos dominantes. Mas podem ser ótimas
ferramentas, nas mãos de um professor.
O uso de
jornais se apresenta como mediador entre as notícias e sua finalidade como
fontes históricas. Ele propicia, uma atualização dos temas propostos no
material didático (BRODBECK, 2012, p. 47) com uma facilidade que de outra forma
jamais se alcançaria. O que pode levar anos para ser contemplado num livro de
História, com um pouco de pesquisa docente se resolve prontamente.
E para
isso, valendo-se da rapidez com que circulam as informações nos sítios
virtuais, jornais eletrônicos são uma opção que aliam com maestria notícias e
acesso imediato. Nesse sentido, apesar da dificuldade imposta pelo alfabeto
cirílico adotado na Ucrânia, há vários veículos de imprensa que possuem sua
versão “ocidental”, inclusive nas redes sociais. Tal postura facilita a
obtenção de informações, principalmente em língua inglesa.
Entre os
produzidos em inglês, o mais famoso é o KyivPost. Vencedor de vários prêmios
europeus, data de 1995 e possui como lema “A voz global da Ucrânia”. Detém uma
política de trabalho bastante austera em relação a fidedignidade das fontes
utilizadas por seus jornalistas, exigindo uma ética nem tão presente em outros
meios de comunicação ucranianos.
Há também
o Texty. Fundado em 2010 por dois jornalistas ucranianos independentes, já
recebeu diversos prêmios internacionais pelo seu compromisso com os fatos, seu
viés é de jornalismo de dados. Não aceitam publicidade de terceiros para que
não haja comprometimento do trabalho, e com isso, o jornal vive de doações.
Fazem uma cobertura precisa dos avanços e retrocessos das tropas.
Outro, o
Ukraїner, que apesar de ser um noticiário bastante atuante, surgiu como um projeto
em 2016 voltado para a micro história dos ucranianos, em especial aqueles que
migravam do campo para as cidades e jamais eram contemplados nas mídias de
massa com suas histórias. A ideia inicial era o resgate de questões étnicas,
geográficas e antropológicas, para que não caíssem no esquecimento ou ficassem
restritas aos acervos familiares. Nesse momento, o jornal mantém o resgate
histórico aliado às notícias sobre a guerra. Sua
página nas redes sociais reúne charges de inúmeros artistas internacionais
sobre a guerra, são imagens que falam por si; adequadas para uso em sala.
E o NV
(HB em ucraniano) fundado em 2014 que atua no segmento de notícias virtuais e
impressas não só da Ucrânia, mas do mundo, também segue pelo rádio.
Frequentemente realizam parcerias com jornais internacionais como The
Economist, The New York Times, BBC e Deutsche Welle. Além disso, contribuem com
diversos institutos internacionais como governamentais e particulares.
E existem
outros, de alcance mundial que também merecem destaque: BBC (Internacional),
CNN (Internacional), Deutsche Welle (Alemanha), NY Times (Estados Unidos), The
Times (Inglaterra), Le Monde (França), entre inúmeros outros. Inclusive, uma
oportunidade pedagógica bastante interessante surge da confrontação da mesma
notícia, publicada em jornais diferentes.
Toda esta
imprensa citada já publicou matérias desde o início da guerra sobre o uso de
armamento proibido segundo o Direito Internacional (bombas de fragmentação,
minas marítimas fora da zona de conflito), sequestro de comboios de ajuda
humanitária, bombardeio de locais sob proteção internacional (hospitais,
escolas, orfanatos, asilos) e a repressão e censura do governo russo para com
seus cidadãos que se manifestaram contrários à guerra.
Estes
exemplos, já bastam ao professor para trabalhar em sala assuntos que vão muito
além dos objetos de conhecimento da História, mas que contemplam outros
objetivos da sua área de conhecimento, as Ciências Humanas e Sociais Aplicadas.
Eles permeiam debates sobre direitos humanos, tratados internacionais,
soberania, liberdades, democracia, ética e moral, entre outros.
A guerra
e tudo o que dela deriva auxilia no posicionamento do aluno perante as
distintas escalas – local e global – com vistas a atualidade. Nesse sentido,
abarca na Base Nacional Comum Curricular (2018) do Ensino Médio as competências
específicas números 1, 2, 5 e 6, respectivamente com suas habilidades
EM13CHS101, EM13CHS102, EM13CHS103, EM13CHS104; EM13CHS201, EM13CHS202,
EM13CHS203, EM13CHS204; EM13CHS501, EM13CHS503, EM13CHS504; EM13CHS603,
EM13CHS604, EM13CHS605 e EM13CHS606.
Embora essa guerra sozinha já baste para a
historiografia, suas consequências diretas e indiretas resultam em
oportunidades que articulam as competências específicas com o desenvolvimento
de habilidades que não se encerram dentro das salas de aulas, mas que os
estudantes carregam para além de seus muros, onde se espera, que em sua vida
futura, não cometam os mesmos erros aos quais já estudaram.
Considerações
Infelizmente, um fato histórico temido por todos os
povos, trouxe o interesse global para a Ucrânia e sua cultura. Embora existam
também outros conflitos acontecendo há décadas, foi a ofensiva russa que trouxe
à tona dúvidas sobre a estabilidade de questões que permeiam direitos
individuais e sociais transnacionais, entre outros. De qualquer forma, o Ocidente
assiste perplexo a batalha que acontece no Leste Europeu.
Cabem na contemporaneidade, as palavras de Haneiko
(1974) que afirmou em sua obra, de que todos têm a obrigação de proteger um
povo oprimido e uma cultura agredida como um gesto de fraternidade entre os
povos. Não se pode diretamente findar as sequelas que uma guerra causa, mas
transformá-la em exemplo daquilo que não deve ser seguido e jamais repetido. E
é isso que se deve ensinar nas escolas, a primazia dos direitos humanos e o
respeito à soberania das nações sobre seus territórios.
A Ucrânia é a culpada para os russos; sua culpa é
como aquela que o cordeiro carrega diante do lobo por instigar seu apetite
(HANEIKO, 1974). Vale ressaltar que a guerra é da Rússia na Ucrânia. A Ucrânia
não declarou guerra à Rússia, mas é vítima de uma agressão que atropela
qualquer preceito. A Ucrânia, apesar de ser territorialmente pequena se
comparada com a Rússia, mostrou para o mundo, através de seu povo, que sua
grandeza e bravura, são maiores do que o tamanho de sua agressora. Слава
Україні (Slava Ukraini – Glória a Ucrânia).
Referências biográficas
Talita
Seniuk é licenciada em História pela Universidade Estadual de Ponta Grossa, em
Ciências Sociais pela Universidade Metodista de São Paulo e em Filosofia pela
Universidade Metropolitana de Santos; pós-graduada em Metodologia do Ensino de
História e Geografia pelo Centro Universitário de Maringá e em Ensino de
Sociologia pela Universidade Cândido Mendes. Coautora do livro As Ucrânias do
Brasil: 130 anos de cultura e tradição ucraniana pela Editora Máquina de
Escrever. Atualmente é pesquisadora integrante do Grupo de Pesquisa CNPq em
Mídias, Tecnologias e História (MITECHIS) da Universidade Federal do Tocantins;
Professora de História, Sociologia e Filosofia da Secretaria de Estado de
Educação de Mato Grosso; colunista do Jornal Ucraniano Pracia - Праця e
colaboradora do Blog Exílio-migração política |humanidades digitais.
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Oi Talita
ResponderExcluirComo historiadora sempre tenho ressalvas em comentar fatos recentes, sobretudo porque nossa fonte é a imprensa e as defesas/ataques jornalísticos dos governos envolvidos. Pensando a atual guerra e as notícias que nos chegam, como você trabalharia a emergência do neonazismo ucraniano?
Olá, Carla.
ResponderExcluirObrigada pelo interesse no meu artigo e pela pergunta.
Realmente, também acho bastante delicado tratar de fatos contemporâneos, principalmente quando estamos à mercê apenas da mídia para isso. Como faço parte da comunidade ucraniana no Brasil e troco informações com amigos e familiares que estão no meio da guerra, me sinto privilegiada para tratar dessa temática, além do que chega até nós pela mídia. Mas claro, difícil deixar os sentimentos de lado numa questão como essa, mesmo sabendo que isso extrapola o que se espera do trabalho de qualquer historiador.
O neonazismo na Ucrânia não é algo recente. Ele apenas ganhou visibilidade há algum tempo. Antes da Segunda Guerra Mundial, os ucranianos viveram sob o jugo da URSS (e isso se estendeu depois desse conflito também, até 1991) que tinha como política de estado aniquilar os ucranianos (vide Holodomor, massacre da intelectualidade em 1937). Durante a guerra, foi palco do combate entre os comunistas e os nazistas, achando inclusive, que nada seria pior do que Stalin, e mal sabiam que abraçavam um mau tão perigoso quanto o anterior. E acredito, que foi nesse momento que começaram os primeiros grupos neonazistas, em especial com Stepan Bandera; e de lá para cá, esse pessoal foi germinando essas ideias, até aparecer mesmo nos protestos do Euromaidan em 2013.
Desde então, vêm aumento o número de aparições e se alinhando a alguns políticos. Quando eclodiu essa guerra da Rússia na Ucrânia, o Batalhão de Azov (que são o grupo neonazista mais conhecido) já estava combatendo na Crimeia e se juntou ao exército para continuar lutando.
Na sala de aula, eu trataria desse breve contexto que citei acima e exporia também algumas informações interessantes e equivocadas sobre os neonazistas ucranianos, como por exemplo, que possuem sua origem numa ideologia que jamais aceitaria ter ao seu lado qualquer representante dos povos eslavos, dos quais os ucranianos são um dos representantes. Falaria também dessa aproximação com a política, que já causou alguns problemas sérios em algumas cidades e por fim, para apresentar outro lado da discussão, mostraria como o grupo neonazista russo “Russkii Obraz” tem se articulado dentro da Rússia, inclusive participando de debates políticos na televisão estatal do país.
Tem um historiador romeno, chamado Armand Gosu, que estuda as questões da URSS e sua influência até hoje que traz uns debates interessantes que podem ser usados em sala também, que ajudam a ampliar nosso olhar sobre esse conflito.
Eu apresentaria dentro desse contexto e propostas o assunto, com diversas fontes (ainda que muitas sejam de jornais) e possivelmente algo do Gosu falando sobre a guerra; deixando espaço aberto para os estudantes também realizar pesquisas em seus celulares e apresentarem novos pontos de vista e fontes, auxiliando sempre que necessário. Esse espaço ajudaria até para que percebessem como os fatos são apropriados pelos grupos dominantes, que muitas vezes deformam a realidade ao passar pelo seu filtro.
Espero ter contribuído, e mais uma vez, obrigada.
Talita Seniuk
Olá Talita, tudo bem? Parabéns pelo seu trabalho, fiquei muito interessado nele, até porque trabalhei com questões relacionadas ao Holodomor. Neste sentido, gostaria que você falasse um pouco mais sobre a importância dos jornais para o trabalho com temas sensíveis. E se possível, como você pensaria seu uso em sala.
ResponderExcluirOlá, André!
ExcluirObrigada pelo seu interesse na temática e pela pergunta.
A fome artificial imposta aos ucranianos pelo governo soviético, chamada de Holodomor (Голодомор), é um fato histórico pouco conhecido em nosso país, faz pouco tempo que esse assunto tem saído do círculo da nossa comunidade. Tão importante quantas outras tragédias que já aconteceram no mundo, essencial trabalha-la em sala de aula, afinal, estima-se que tenham sido assassinados aproximadamente 4,5 milhões de ucranianos.
Eu proporia um trabalho com estudantes do 9° ano do Ensino Fundamental ou do Médio que mesclasse artigos de jornais da época e outros que foram publicados depois do ocorrido, considerando que a URSS impunha uma censura gigante nesse assunto, para aproveitar a oportunidade para falar da manipulação das informações como forma de domínio sobre os demais soviéticos (que viveram o período sem medo). Há artigos que expuseram o problema fora da ditadura stalinista, fruto do trabalho de jornalistas (como Gareth Jones) que se arriscaram pela notícia. Apresentaria também imagens da época, bastante impactantes, que existem com certa facilidade em repositórios sobre a temática.
E, como referência, traria trechos do livro “A fome vermelha: A guerra de Stalin na Ucrânia” de Anne Applebaum (APPLEBAUM, Anne. A Fome Vermelha: a guerra de Stalin na Ucrânia. Rio de Janeiro: Record, 2019) para que os alunos pudessem ter empatia por aqueles que passaram por isso e por suas famílias que sobreviveram. Há diversos trechos nessa obra bastante impactantes e que são o resultado de uma busca histórica em fontes da autora. Ou seja, essa tragédia realmente existiu, ao contrário do que muita gente pensa.
Dessa forma, eu traria jornais, imagens e livro como as fontes para essa aula. Para as imagens o uso do celular dos próprios discentes poderia ser utilizado, norteado pelo professor que também seria o responsável pelo livro e as notícias de jornais.
Se você não conhece, tem duas obras, além da que já citei, que podem te ajudar a se aprofundar no assunto:
CIESZYNSKA, Béata; FRANCO, José Eduardo. Holodomor: a desconhecida tragédia ucraniana (1932-1933). Coimbra: CompaRes e Grácio Editor, 2013.
YEKELCHYK, Serhy. Ukraine: Birth of a Modern Nation. New York: Oxford University Press, 2007.
Se você quiser trocar ideias sobre a Holodomor, pode entrar em contato comigo, que me coloco à disposição para ajudar no que puder, dentro das minhas limitações, claro: talitaseniuk@gmail.com
Espero ter contribuído, obrigada.
Talita Seniuk
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ResponderExcluirOlá Talita, tudo bem? Muito obrigado pelas informações, vou entrar em contato via e-mail. Obrigado mais uma vez!
ExcluirPor nada, até breve! =)
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